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Antissemitismo e a máscara de flandres

Berenice Bento (*) | 07/08/2021 08:06

As disputas em torno dos sentidos conferidos ao antissemitismo voltaram a ocupar os debates globais nos últimos meses. O texto da IHRA (Aliança Internacional para a Memória do Holocausto), que propõe um conjunto de indicadores para se identificar um discurso antissemita, foi o desencadeador dessa nova fase global de criminalização de palestinos/as que estão em diáspora e de ativistas da causa palestina.

Como uma reação a esse texto, pessoas judias de vários países lançaram um manifesto (Manifesto de Jerusalém – MJ) objetivando oferecer definições e indicadores para se identificar ações antissemitas (sejam linguísticas e/ou físicas) e, ao mesmo tempo, apresentar-se como uma proposta alternativa ao texto da IHRA.

Um terceiro texto, também assinado por coletivos de pessoas judias engajados por justiça social, apontará as limitações dos dois textos, embora reconhecendo certos avanços no MJ. Os três textos se movem em torno de questões como: as denúncias das políticas de opressão do Estado de Israel contra o povo palestino são indicadores de antissemitismo? É possível articular a luta pelo desmantelamento do antissemitismo com outras expressões do supremacismo branco (islamofobia e racismo, por exemplo)? Como reconhecer o direito do povo palestino à indignação sem cometer crime de ódio contra pessoas judias? Qual a relação entre sionismo/Estado de Israel/antissemitismo?

Os conteúdos dos três textos nos apontam para as fissuras e divergências internas dentro do que erroneamente se pensa como “comunidade judaica”, como se “ser judeu” fosse uma amálgama, um todo homogêneo. Tendo a acreditar que a própria noção de “comunidade judaica” seja um ato de apagamento das diferenças internas e um tipo de operação mental, com efeitos políticos desastrosos, que se fundamenta no apagamento das diferenças e, simultaneamente, na essencialização das identidades.

Essa invisibilização se aproxima do que Edward Said apontou como uma das características do orientalismo. O ocidente inventou um oriente em que bastaria se conhecer um árabe para se conhecer todos os árabes. Acredito, no entanto, que essa marca (transformar o outro em espécie) seja um dos conteúdos reiterados do colonialismo e não algo singular da relação do Ocidente com o Oriente.

Para além das divergências e aproximações entre os três textos, conforme apontarei, as disputas internas às judaicidades, tornadas públicas em uma dimensão global, podem ser interpretadas como possibilidades para intensificarmos a construção de alianças e avançarmos em uma agenda global em defesa da autodeterminação do povo palestino.

(*) Berenice Bento é professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília.

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