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Compor com crianças na escola pública

Esther Benfato Cunha (*) | 12/12/2022 13:12

A composição musical realizada dentro de espaços escolares não é um tema sobre o qual muito se reflete atualmente, principalmente por parte de pedagogos. Encontramos pouquíssimos autores que compõem com crianças dentro desses espaços e que escrevem sobre o assunto.

Carlos Kater, compositor, musicólogo e educador musical, Teca Alencar de Brito, pedagoga e referência da musicalização infantil, e Dulcimarta Lemos Lino, professora da Faculdade de Educação da UFRGS, são alguns dos poucos educadores dessa área que têm se debruçado sobre o tema, se lançado na arte de compor com crianças e adultos em espaços educativos e que me inspiraram a escrever o meu trabalho de conclusão de curso.

Desde nova, tive a oportunidade de estar em um espaço no qual compor e criar era natural. Meu pai, José Carlos Cunha, cantava paródias (alterações no texto de uma música sem mudar a melodia da canção original) para mim desde que nasci, e isso me fez querer criar também. São essas as memórias resgatadas quando entrei na disciplina de Educação Musical do curso de Pedagogia e que me fizeram entender que o que componho hoje é resultado de uma infância cheia de experiências e brincadeiras com a música.

Em 2021, ao participar do projeto de extensão Piá, pude compor com meus colegas, em coletivo, uma música chamada “João de Barro”, que faz parte do espetáculo “Jaebé: tocar a liberdade”, e foi ali que entendi que o que estava fazendo era compor para alguém e não com. A partir disso, ao ir atrás de uma professora que já conhecia pelos caminhos da Pedagogia, encontrei Paula Emcke, que prontamente concordou em compartilhar o seu trabalho de compor com as crianças. Assim, pude observar suas aulas, realizar entrevistas e analisar seus materiais de documentação pedagógica.

Paula Emcke é professora de educação infantil da rede municipal de São Leopoldo. Ela recebe uma turma de 22 alunos de 5 anos dentro do turno escolar para ter aulas de Educação Musical pelo projeto Barulhar, dedicado a fortalecer a mediação pedagógica em educação musical, no sentido de ampliar os espaços de compor com adultos e crianças na escola. Paula encanta as crianças a se lançarem nas inúmeras possibilidades de compor por meio de exercícios – nos quais se expor, criar vínculos, ter experiências potentes e jogar em coletivos se tornam primordiais para uma turma que entende o espaço escolar como sendo não apenas dos professores, mas também das crianças. Para ela, a ação de compor no dia a dia da escola é um convite que precisa ser feito a partir de um relacionamento de escuta ativa, no qual o interesse das crianças é levado em conta para o planejamento das aulas.

Repertórios diferentes, músicas instrumentais, canções de outras culturas, uso do corpo, interpretar músicas já conhecidas, utilizar materiais do cotidiano para fazer exercícios sonoros: todos esses itens são relevantes ao se pensar em uma sala de aula que oportunize às crianças as mais diversas experiências que poderão levar para a vida.

Isso se dá por uma dimensão importante na relação pedagógica que é a formação continuada em educação musical, experimentada em coletivos colaborativos. A relação entre a educação e a música se dá a partir de experiências anteriores com a música? Sim, mas elas, sem uma formação que fortaleça o professor dentro da sala de aula, acabam perdendo força. É preciso vivenciar, assim como também é necessário estudar e conhecer.

Paula obteve com sua turma, no projeto Barulhar, alguns resultados, como as músicas “Festa na Floresta” e “Porta Funk”. No trabalho, destaco o processo de composição da canção “Porta Funk”, que tive a oportunidade de ver de perto e que surgiu de hipóteses levantadas pelas crianças sobre o que haveria atrás de uma porta que se mantém sempre fechada. Foi assim que Paula, em coletivo com as crianças, compôs a música: sentada no chão, ouvindo atentamente e registrando o que as crianças tinham para falar.

Compor é um exercício de democracia ao se aprender a fazer escolhas, se acolherem ideias e, muitas vezes, se frustrar ao se expor e não ser totalmente compreendido, mas são esses caminhos que precisam ser trilhados por um pedagogo que entende que ele é responsável por essa relação entre a música e a educação na escola. Compor na infância é uma potência, ao se lançar ao desconhecido, inventar e exercitar o ouvir o outro.

(*) Esther Benfato Cunha é graduanda em Pedagogia pela UFRGS.

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