ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
JULHO, QUARTA  17    CAMPO GRANDE 16º

Artigos

Consciência coletiva em rede para combater a desinformação

Ana Regina Rêgo (*) | 14/09/2023 08:30

A criação da rede mundial de computadores e toda complexidade tecnológica que a envolve e que sofre aperfeiçoamento constante possibilitaram o nascimento de uma cultura virtual compartilhada, que guarda em si tanto potências positivas, disruptivas e transformadoras como possibilidades de exploração humana, mercantilização e distribuição de desinformação, fomento ao ódio e outros aspectos e atividades nocivas à sociedade.

Diferentemente dos meios de comunicação de massa, que eram centrais na vida em sociedade, a internet tornou-se ubíqua, detendo um poder quase invisível aos olhos comuns e que se estrutura na opacidade da arquitetura tecnológica que envolve, principalmente, as grandes plataformas que paulatinamente cooptaram a existência humana para um novo lócus em que as experiências se entrecruzam, são capturadas e mineradas.

À primeira vista, existe a percepção de uma diluição das instâncias de poder e a sensação de empoderamento das vozes antes sem acesso aos meios de comunicação. Aparentemente, as redes sociais facilitam e fomentam a produção de conteúdo de forma igual para todos os usuários. A realidade, contudo, é bem distinta.

Observando o fenômeno da plataformização da vida humana, compreendemos que as plataformas digitais, diferentemente do que pregam ao adotar a nomenclatura plataformas, não são neutras, como nenhuma tecnologia o é, e percebemos que o capital em sua forma mais predatória invadiu as infovias e adotou modelos de negócios mutantes e em constante aprimoramento. São formatos que capturam a experiência humana, transformando-a em dados que guiam os algoritmos treinados para fazer o encontro entre o dinheiro investido nas redes e os canais e perfis de maior visibilidade nos quais a audiência se encontra.

Embora neguem intencionalidade em promover desinformação, as plataformas têm efetivamente fomentado tal prática em seus espaços, considerando a monetização permitida de conteúdos desinformativos, que muitas vezes carregam também ódio, machismo, racismo e violência, gerando um lastro de nocividade e até mesmo de práticas ilegais. É importante demarcar que, em nossa visada, a desinformação para além de um conceito (complexo) é, antes, um fenômeno social coletivo potencializado pelas permissividades adotadas pelas plataformas digitais para produção e circulação de conteúdos de terceiros.

Nesse cenário, as plataformas recomendam tais conteúdos e, ainda, em muitos casos, acatam o impulsionamento da desinformação, permitindo que alcancem um público infinitamente maior do que pelo engajamento orgânico que poderiam ter, caso se mantivessem sem a injeção de recursos financeiros.

A desinformação potencializa-se nesse contexto de vida digital, tornando-se sistêmica, permeando em muitos cenários, dominando o maior número de conteúdos em circulação em redes sociais e aplicativos de mensageria. A receptividade social desse tipo de conteúdo se dá com maior potência, tendo em vista que sua composição narrativa convoca afetos positivos e negativos, emoção e opinião, acessando outros regimes de verdade social.

Foi nesse cenário de potencialização do fenômeno da desinformação, composto em grande medida por mentiras, pelas famosas fake-news, por narrativas de composição morfológica híbrida que mesclam fatos, mentiras e descontextualizações espaciais e temporais dos acontecimentos, que inúmeras iniciativas da academia e da sociedade civil surgiram em todas as regiões brasileiras com o objetivo de combater as diversas dimensões que compõem o fenômeno.

A Rede Nacional de Combate à desinformação (RNCD) surgiu em setembro de 2020, em plena pandemia e em meio às eleições municipais. Nascida a partir de inquietações nossas, aprofundadas em um pós-doutorado na UFRJ cuja pesquisa resultou também na publicação do livro  A construção intencional da ignorância, a rede surgiu com o intuito de se contrapor ao que denominamos ‘mercado da desinformação’.

A ideia principal foi reunir projetos, instituições, coletivos, grupos de pesquisa, pesquisadores, divulgadores científicos, etc., em uma rede sinérgica com o objetivo de combater o “invisível” mercado que tem dominado o Brasil com a formação de um público segmentado que, por sua influência, passou a duvidar da ciência, do jornalismo e de tudo e de todos que possam desviar sua atenção e fazê-lo retornar à realidade, retirando-o da “caverna de Platão”.

A RNCD possui hoje mais de 180 parceiros, que atuam nas mais diversas frentes e contextos, englobando o país de norte a sul, de leste a oeste, envolvendo uma força-tarefa de pesquisadores das mais diferentes áreas das ciências da vida e das ciências humanas, movidos pela consciência histórica e pelo senso de coletividade e comunidade que nos impele a agir em defesa da sociedade brasileira.

Na rede vamos encontrar grupos engajados nas negociações em torno da regulação das plataformas, com destaque para os debates em torno do PL  2630/20; vamos localizar divulgadores científicos que tiveram grande atuação durante os primeiros anos da pandemia da covid-19, como também um número potente de profissionais envolvidos em educação midiática e educomunicação, e ainda projetos e jornalistas envolvidos em jornalismo de verificação.

O monitoramento de mídia que atuou de forma ininterrupta durante o pleito de 2022 é realizado por alguns de nossos parceiros e tem contribuído de forma decisiva para identificar os principais focos e combater a desinformação nas plataformas.

Já a pesquisa, por sua vez, é também um campo de atuação privilegiado. Na RNCD estão mais de 30 grupos e núcleos de pesquisa que atuam na tentativa de desvendar o fenômeno da desinformação, como também temáticas periféricas. Instituições dos campos da Comunicação, Educação, Informação conjuntamente com coletivos e associações da sociedade civil dão um impulso primordial às interações na rede.

(*) Ana Regina Rêgo é professora e pesquisadora da Universidade Federal do Piauí.

Nos siga no Google Notícias