Conservação da natureza: a poupança do planeta
Uma virtude daqueles que buscam garantir um futuro seguro é a parcimônia, ou seja, poupar recursos para garantir que esses não faltem ao longo da vida, principalmente na velhice. Recursos estes que têm como fonte direta ou indireta a natureza, que é finita. Logo, a poupança de toda a humanidade começa no tesouro da natureza.
Há milênios, os seres humanos usufruem do planeta, e o desenvolvimento das sociedades vem seguindo uma lógica de uso progressivo dos recursos naturais. Sobretudo, nos últimos 150 anos, o uso tem sido de aceleração exponencial, reconfigurando o funcionamento do planeta e colocando em risco a sobrevivência humana e também de outras espécies – basta lembrar a matança de baleias, que quase chegaram à extinção, para fornecer a gordura que acendeu as luzes de grandes cidades por muitos anos.
Até há pouco tempo, o oceano era visto como infinito, como fonte inesgotável para exploração mineral e pesqueira e como destino para os contaminantes urbanos e industriais. A mudança dessa lógica começou pelos ecossistemas terrestres, afetados pelo desmatamento e pela poluição. Com atraso, essa mudança de paradigma alcançou os ecossistemas marinhos. Mas estamos, ainda, no meio desse processo.
Então, como convencer o leitor da importância de conservarmos ecossistemas marinhos? Ainda que você já tenha conhecimento da importância da conservação ambiental, aqui vamos abastecer os leitores com fortes argumentos, no apelo e na lógica, baseados em boa ciência, para aproximar, informar e sensibilizar as pessoas sobre o tema.
Um primeiro argumento é puramente ético. É correto aniquilarmos espécies ou ecossistemas inteiros do oceano, negando-lhes o direito à existência? Vivenciamos hoje um ciclo de extinções em larga escala, que tem eliminado de forma acelerada uma biodiversidade que sequer conhecemos. Claro que o argumento ético é menos efetivo quando encontramos um interlocutor que coloca o ser humano como senhor de toda a natureza, com direitos herdados de forma divina ou pela sua força e inteligência. Por que salvar umas espécies, quando podemos explorar os mares em nosso benefício? Segundo essa lógica, quanto mais exploração, melhor. O equívoco desse argumento está no fato mencionado no primeiro parágrafo: os recursos são finitos – ao perdermos biodiversidade estamos perdendo riquezas em potencial.
Assim, chegamos ao argumento relacionado à nossa sobrevivência e qualidade de vida. A conservação tem como meta também preservar os serviços ecossistêmicos. Esses serviços são essenciais à manutenção da vida no planeta, como regular o clima, fornecer alimento ou lazer e descanso – só para citarmos os mais óbvios. Ao não conservarmos a natureza, recebemos o contragolpe, mostrando que não estamos conseguindo ainda viver em harmonia com o meio ambiente. Recordes seguidos de verões mais quentes, estoques de pescado esgotados, peixes e mariscos carregando poluentes e praias sendo erodidas e cheias de plástico mostram que há muito a fazer. Ainda que não estejamos prostrados e muitas ações estejam sendo realizadas, falta a constatação de um progresso mais evidente.
Para sermos mais efetivos, é necessária uma estratégia de conservação estruturante e integrada. Isso envolve uma multitude de ferramentas, usadas de forma combinada. Uma das ferramentas mais importantes envolve o planejamento espacial marinho, que deve designar um conjunto de regras de uso para as diferentes áreas na zona costeira e marinha we, como a criação de unidades de conservação. Estas podem ser de proteção integral, nas quais é permitido apenas a visitação ou as pesquisas científicas, ou ainda podem ser de uso sustentável, onde podem ser realizadas outras atividades, como a pesca, desde que aconteça de forma ordenada e racional.
As unidades de proteção integral, como parques, reservas biológicas e refúgios de vida silvestre, são áreas que têm vocações específicas. Aqui cabe apontar uma diferença importante entre conservar e preservar. As unidades de proteção integral preservam a natureza, não permitindo o uso dos recursos naturais. A proteção dessas áreas visa a salvaguardar ecossistemas ou ainda espécies vulneráveis, mantendo-os na condição mais natural possível. Um exemplo é a Reserva Biológica de Atol das Rocas, localizada ao largo do Rio Grande do Norte. Além de preservar a biodiversidade, as unidades de proteção integral estão inseridas num contexto maior que visa à conservação, ou uso sustentável dos recursos naturais. Do ponto de vista dos recursos pesqueiros, por exemplo, essas áreas são fundamentais como criadouros naturais, onde as espécies podem viver e se reproduzir, exportando continuamente indivíduos para as áreas adjacentes, num fenômeno chamado spill over, onde sustentam a atividade pesqueira. Essas áreas podem ser entendidas como áreas de produção de pescado.
As unidades de conservação de uso sustentável, como as reservas extrativistas e áreas de proteção ambiental, são também essenciais para a conservação, muitas vezes garantindo também a proteção de bens imateriais, como o conhecimento das comunidades tradicionais. Estas unidades permitem o uso regrado e planejado de recursos e, assim como as unidades de proteção integral, só são realmente efetivas se há de fato interesse e participação da sociedade na sua implementação e manutenção. Um exemplo de área marinha protegida criada e gerenciada com ampla participação social é a Área de Proteção Ambiental Marinha do Litoral Norte.
Mas as estratégias de conservação vão muito além do planejamento espacial, elas envolvem o regramento de uso dos recursos pesqueiros em si, pelo estabelecimento de cotas de explotação, tamanhos mínimos de captura ou períodos de supressão da pesca em épocas de reprodução, por exemplo. Além disso, as estratégias devem contemplar também objetivos de educação, seja pela incorporação de temas nos currículos formais e na formação de profissionais do ensino, seja pelo uso de propaganda e outras formas de sensibilização.
A articulação de uma estratégia efetiva de conservação é função do Estado e deve estar constituída numa política própria. Dessa forma, como política, tem que emergir do desejo e das necessidades da população e se estabelecer como algo que não possa mudar a cada troca de governo.
É notável o aumento da conscientização sobre a importância da conservação e dos avanços nos acordos multilaterais, com compromissos e regras que visam à proteção dos ecossistemas marinhos. Ainda assim, há um contingente muito grande de pessoas que interagem com os recursos marinhos de forma predatória, por ignorância, opção, imediatismo ou mesmo necessidade.
O caminho pela frente é longo e árduo. Já perdemos a oportunidade de reverter completamente as mudanças climáticas, por exemplo, na nossa escala de vida. Com isso, temos agora um desafio adicional, o de nos adaptarmos a um planeta mais quente e com mais eventos extremos. As estratégias de conservação precisam também considerar essas mudanças e seguir a lógica da adaptação.
A solução para esse problema, assim como acontece com a maioria dos problemas complexos, passa pela educação e pela ciência. A educação garante o compartilhamento do conhecimento e a formação de cidadãos conscientes e atuantes. A ciência fornecerá informações, soluções e tecnologias que garantirão nossa sobrevivência. Assim, a conservação ambiental também depende de investimentos em educação e ciência.
Apesar dos graves problemas que enfrentamos, como pandemia, insegurança alimentar, temperaturas extremas, secas e inundações, não podemos jogar a toalha. Podemos mudar o curso das coisas, a começar pelas nossas próprias atitudes, passando pelo consumo consciente do nosso alimento e dos nossos bens materiais, mas também alcançando nossas opções políticas e nosso papel como multiplicadores de conhecimento e formadores de opinião.
O planeta é um só, e a natureza é o banco no qual temos que manter conservada a nossa poupança para o futuro. Parcimônia não é só virtude, é necessidade!
(*) Tito Monteiro Lotufo é professor do Instituto Oceanográfico da USP.
(*) Tássia Oliveira Biazon é pesquisadora da Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano.