De qual segurança estamos tratando?
Historicamente o termo ‘segurança’ tem sido analisado em relação aos interesses dos Estados e não em relação às necessidades sociais ou dos indivíduos. Essa visão tem sido revisada em direção a uma forma de segurança construída socialmente e localmente. Uma pesquisa do Ibope, encomendada, em 2014, pela Confederação Nacional da Indústria, sobre o ‘Retrato da Sociedade Brasileira’, destacou como prioridade, para os brasileiros, a busca de soluções para a insegurança, a violência e a má qualidade dos serviços públicos.
Mesmo sem ter havido uma ampla e mais aprofundada discussão sobre a insegurança no país, alguns políticos apontam como solução para a insegurança que vivemos: a mudança na lei de maioridade penal e a proposta de revisão dos procedimentos para concessão de registros de armas de fogo para os cidadãos que se sentem desprotegidos.
Podemos pensar que esses são problemas de insegurança ‘corriqueiros’, dizem respeito apenas ao ambiente nacional. Mais ainda, parece ser uma discussão que se limita aos direitos de quem tem ou não licença para matar. No entanto, e de forma ampla, as soluções apontadas para a ausência de segurança demonstram, principalmente, a amplitude da falta de governança a que estamos submergidos. A epidemia da ‘dengue’, a ausência de educação especializada para os ‘pequenos delinquentes’ e o descontrole na posse e venda de armas apenas ironiza a faceta de um país potente, mas que não consegue melhorar a qualidade de vida do povo. Afinal, de qual segurança estamos tratando?
O estudo da Segurança Humana tem, desde os anos 90, tentado abarcar as diferentes facetas do conflito e da vulnerabilidade (étnica, social, ambiental, sanitária, econômica, alimentar, cultural) para responder de forma multidisciplinar em um domínio antes dedicado exclusivamente ao uso da força para a defesa externa dos Estados.
A Segurança Humana é uma proposta ampla de pensar a segurança e diz respeito à ausência de ameaças à vida e ao bem estar das pessoas. Por meio de um discurso crítico, a proposta busca revisitar as ações dos Estados em direção a uma governança responsável, à comunicação e ao diálogo junto aos grupos sociais. Isso significa uma nova forma de analisar a segurança, através de uma visão interdependente nos diferentes níveis de conflito e cooperação e onde a ação local está baseada em valores universais, onde a comunidade internacional se sente responsável, em última instância, pela proteção das pessoas.
É nesse contexto que grupos civis trabalham de forma colaborativa e ‘sem fronteiras’, quando, por exemplo, denunciam as transações fraudulentas de remessa ilegal de dinheiro, feitas pelas elites do capitalismo selvagem. Temos visto o trabalho de jornalistas europeus e brasileiros para divulgar a lista de pessoas jurídicas que têm promovido a evasão fiscal no mundo. A lista de Hervé Falciani apresentada desde 2008 causou furor especialmente na França e na Espanha. E apenas agora ecoa no Brasil.
Talvez quando levarmos mais a sério a educação para os valores de uma vida ética, ao lado de ações práticas para a segurança financeira, com maior controle sobre os fluxos de capital das empresas e do próprio governo, possamos resolver a insegurança em outras áreas como as ações para o controle da delinquência juvenil e o planejamento para a segurança na saúde pública. Nesse momento, talvez, não tenhamos mais que decidir quem tem licença para matar ou quem vai morrer em um hospital público.
(*) Zelia Frances Schervier é analista internacional, técnica e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Políticas Públicas, Governo e Gestão (NP3)/Ceam e no Centro de Excelência em Turismo (CET), da Universidade de Brasília.
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