“Democracia” sem justiça social
Ademocracia brasileira que hoje conhecemos precisa sair do papel, dos textos jornalísticos e acadêmicos, dos artigos e parágrafos constitucionais para chegar à população. Não deveria ser tema de discussão meramente protocolar como tem sido. Há que se pensar em uma práxis democrática que contemple toda a sociedade. Seria muito bom, ainda, que os políticos deixassem de lado o discurso empolado quando invocam a Carta Magna, ao se verem diante do microfone de algum veículo de comunicação de massa. Mas esta Constituição precisa chegar também à sociedade, exatamente como os candidatos aos cargos dos poderes Executivo e Legislativo preconizam ao povo em seus discursos, à procura de votos para se elegerem. Nesse momento sim, o verbo desses candidatos fala de uma democracia que todos nós desejamos. No entanto, depois de eleitos, eles mudam completamente seu comportamento e a rotina da desigualdade e da injustiça social permanece a mesma desde os tempos da chamada Velha República, como assinalam os historiadores brasileiros quando falam das lutas sociais em nosso país. Pedir voto ao eleitor é uma atitude que envolve promessas de campanha e é legítimo que se faça. Afinal, o candidato precisa mostrar-se ao eleitor, apresentar-se e falar de seus projetos para a nação.
É nesse momento também que o político se torna dócil, afável, humilde, atencioso, acessível e simpático, muito simpático. Cumprimenta as pessoas com apertos de mãos, abraça quem estiver perto, se deixa fotografar, põe crianças no colo, distribui o popular “santinho” eleitoral, entre outras coisas, que bem caracterizam o papel do político à procura de votos. Ao mesmo tempo, convenhamos: tem algo também de demagogia e de um populismo já bastante esgarçado, mas que funciona nesses momentos. Porém, essa legitimidade a que me refiro só se consolida, só tem o respaldo da sociedade, só tem seus efeitos práticos, quando o que foi prometido for efetivamente executado. Aí sim, o ato político se conclui. O eleitor votou esperando com isso, melhorar a vida da população em seu país, e finalmente foi respeitado ao apoiar com seu voto, a eleição do candidato que realizou suas promessas.
Mas, salvo exceções (e felizmente elas existem), para o desencanto de milhões de eleitores não é isso o que ocorre. O que resulta em grande número são as promessas “esquecidas” e as explicações fora de tempo por não as realizar, com muitos argumentos vazios e notoriamente inverídicos, algumas vezes até mesmo desonestos. Em outros termos, caro leitor, isto é um estelionato eleitoral que ludibria a boa-fé do eleitor e desrespeita os princípios básicos da ética política, já tão combalida há muito tempo, se é que algum dia ela foi realmente respeitada. Na dúvida, é melhor acreditar que sim. Afinal, a História nos mostra a existência de políticos conscienciosos que fizeram, do seu métier, a dedicação ao Estado e à sociedade objetivando melhorar a vida do seu povo.
Convém, portanto, fazer justiça a quem merece. É necessário “separar o joio do trigo”, como diz o breve e preciso aforismo popular retirado do Novo Testamento. Em nosso país, estamos às vésperas das eleições gerais que compreendem nada menos que cinco diferentes tipos de cargos a serem ocupados pelos eleitos. São eles: presidente da República e seu vice-presidente (em chapa única), governadores, senadores, deputados federais e deputados estaduais. Como se vê, esta é a melhor oportunidade para escolhermos e votarmos em quem realmente possa representar a sociedade no Congresso Nacional uma vez que, teoricamente, vivemos em uma democracia representativa. São 513 deputados federais e 81 senadores que vão legislar para o País, buscando aprimorar sempre as relações entre estado e sociedade e, por extensão, objetivando, evidentemente, melhorar a vida da população do seu país.
Estão em pauta permanente os direitos e deveres constitucionais de todos nós para com o Estado e vice-versa. Teremos ainda a escolha de um presidente da República, chefe do Poder Executivo que, ao ser escolhido pelo sufrágio universal, governará nosso país por quatro anos. Este é um momento crucial para o Brasil. Nós, eleitores, precisamos estar muito atentos ao oportunismo político daqueles candidatos interessados apenas e tão somente no status de político federal, no aberrante desfrute do foro privilegiado (tecnicamente chama-se “foro especial por prerrogativa de função”), nas benesses do cargo político, nos seus proventos mensais e demais vantagens que lhes são oferecidas.
Em época de eleições, todas essas figuras oportunistas aproveitam para deitar falação sobre democracia de forma sempre pomposa, com um discurso eloquente, contundente, mas nada fazem objetivamente para melhorar as condições de vida do nosso povo. Com uma retórica bacharelesca para impressionar seus ouvintes, esses políticos têm no discurso demagógico o instrumento necessário para mais uma vez burlar a boa-fé do eleitor. Nesse momento, entra em cena o jogo do “vale tudo”, e o eleitor precisa estar muito atento para não ser trapaceado novamente pela impostura comportamental do candidato que procura passar a imagem de que é igual ao eleitor. Não é, nessas ocasiões é que o engodo substitui a verdade e a honestidade. Vamos ficar muito atentos.
(*) Waldenyr Caldas, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.