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Desafios (a)temporais das mulheres rurais

Joice Schneider Marmentini (*) | 08/07/2021 13:12

A questão de gênero pareceu, por muito tempo, ser algo muito claro e bem determinado: masculino e feminino. Homem e mulher. Inclusive os papéis que cada um cumpre na sociedade. Mas um movimento de despertar vem acontecendo e, com ele, algumas revoluções. A mulher passou a ocupar outras posições que não somente as de dona de casa e mãe, conquistou direitos e começou a exigir mais respeito. E em relação às mulheres rurais, será que isso é de fato uma realidade? O caminho em direção a questões igualitárias já está traçado, mas ainda é longo.

As relações de poder constituídas ao longo da história da América Latina trazem consigo dimensões de construção social que se perpetuam. A globalização trouxe vários aspectos positivos para o comércio, a tecnologia e para os que possuem recursos financeiros para obter esses serviços. Quando pensamos nesse cenário que faz parte das nossas vidas, seja no âmbito do trabalho, nas relações sociais ou na vida pessoal, não conseguimos assimilar que, ao mesmo tempo que estão acontecendo todas essas conectividades, ainda existem famílias que possuem tamanhas fragilidades de ordem econômica, social, de saúde, como, por exemplo, famílias que moram em habitações sem banheiro. É difícil acreditar que esses dois universos estão acontecendo simultaneamente e no mesmo espaço territorial. Nesse lugar onde não há banheiro, há antena de internet.

Dessa forma, os questionamentos começam a surgir no sentido de pensar de que maneira seres humanos conseguem sobreviver em um ambiente sem condições de saneamento básico, mas não vivem sem internet. Podemos avançar mais… as mulheres que residem no meio rural e que fazem parte de uma parcela significativa da população, ao terem a Declaração de Aptidões ao Pronaf (DAP) em seus nomes como primeiras titulares, não fazem ideia do que essa declaração significa? De que maneira essas pessoas acessaram esses serviços, como tiveram acesso a essas informações, sabiam das responsabilidades que teriam daquele momento em diante perante a sociedade como um todo e perante a própria família?

O que observo é que em todos esses questionamentos as violações de direitos fundamentais estão presentes, e muito me entristece observar que não só a sociedade compactua com esse modelo de comportamento, mas os órgãos que deveriam proteger, orientar e explicar acabam reproduzindo aquilo que a sociedade espera deles. Afinal de contas, o salário deles estará garantido no final do mês de qualquer forma, não é mesmo?

Esse “sistema” de que tanto falamos e que recriminamos também faz parte dos nossos dias, das nossas ações. De certa forma, quando pensamos em desconstruir a colonialidade do poder ou então pensamos a descolonialidade das ações patriarcais que estão presentes de forma muito clara na sociedade, estamos minimamente encorajando as mulheres a se tornarem cientes e responsáveis pelos seus corpos, pelas suas vivências, pelas suas escolhas, e então nos é retirado o direito de exercer tal atribuição.

Sabe-se que, quando se fala em gênero, a ideia que nos vem em mente é das dificuldades que as mulheres sempre tiveram diante da sociedade patriarcal. As relações socioeconômicas entre mulheres e homens podem variar, e as questões de gênero referem-se ao papel que as mulheres desempenham em um dado momento e em um determinado contexto socioeconômico, político e cultural.

Em sua obra intitulada Motivação e personalidade, Maslow enfatiza que as necessidades pertencem a uma hierarquia, pois se o indivíduo não as for gradativamente suprindo, não terá condições de passar para a próxima categoria, ou seja, se não forem saciadas as primeiras necessidades que estão na pirâmide, que são as fisiológicas (comida, água, sexo, sono e repouso), ele não terá agentes impulsionadores para lutar por educação, saúde ou até mesmo para discutir sobre sua participação democrática no meio social em que habita, já que seus objetivos estão centrados na base da pirâmide e suas motivações serão focadas na busca da satisfação do que lhe falta nesse nível.

Para existir a real inclusão social, é fundamental a construção de ações que visem suprir todos os níveis de necessidades, possibilitando às pessoas a confecção de instrumentos motivacionais para avançar de um degrau a outro, buscando superar suas privações e fazendo com que um número maior de indivíduos seja beneficiado com as mesmas políticas que usufrui neste momento, assumindo postura não somente de beneficiários, mas de demandantes e fiscalizadores das políticas.

Uma alternativa motivacional e impulsionadora de inclusão social exercida pelas mulheres no meio rural é a sua participação nos grupos comunitários. Mulheres que se encontram mensalmente para trabalhar assuntos relacionados a segurança alimentar, dinâmicas de inclusão social, resgate da cultura, troca de informações sobre os acontecimentos locais e regionais e que fomentam a participação em feiras e exposições, no sentido de valorizar os trabalhos realizados por elas no campo.

Acredito que, a partir da valorização e da estima dessas mulheres, sua percepção das formas de violações vivenciadas por elas acontecerá naturalmente. Com o suporte e o apoio coletivo, elas poderão começar a mudar os padrões de comportamentos patriarcais na localidade e, assim, pensar no ideário de igualdade de gênero.

(*) Joice Schneider Marmentini é psicóloga extensionista rural social na ASCAR/Emater e mestranda no Programa de Desenvolvimento Rural da UFRGS.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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