Empréstimo consignado: aliado ou vilão?
O empréstimo consignado, muito utilizado pelos brasileiros e importante alicerce para movimentação da economia no cenário atual, foi instituído em nosso ordenamento jurídico por meio da Lei no 10.820/2003, na qual, à época, foi oportunizado às pessoas físicas acesso a crédito que pudesse comprometer até 30% da sua renda mensal, desde que esta fosse oriunda de aposentadoria, pensão paga pelo INSS ou, ainda, proveniente de servidores públicos, mediante taxas de juros menores que as praticadas no mercado.
As referidas taxas são mais atrativas ao consumidor, na medida em que há maior segurança e certeza por parte dos bancos quanto ao adimplemento das parcelas, já que são descontadas diretamente pelo INSS em aposentadoria, pensões ou do próprio empregador nos casos de funcionários públicos e celetistas.
No entanto, o que era para ser um crédito fácil, célere e menos oneroso ao consumidor, tem se tornado fonte de inúmeros abusos, fraudes e endividamento exacerbado de parcela significativa da população que, na maioria das vezes, são pessoas vulneráveis e não tão esclarecidas e que, diante da enorme crise financeira que acomete o país, aliado aos efeitos da pandemia do Coronavírus (COVID-19), somado, ainda, à crise/guerra na Ucrânia, transformou-se em vilão e um dos maiores fatores responsáveis pela diminuição de renda, qualidade de vida e endividamento de tantos.
Atualmente, são grandes os esforços dos legisladores, seja a nível Municipal, Estadual ou Federal, por meio de projetos de lei, que tentam criar normas para atenuar o assédio aos aposentados e pensionistas, a fim de se evitar a contratação por meios telefônicos ou diminuir as incontáveis formas de fraudes cometidas.
Ocorre que, no ano de 2015, por meio da Lei no 13.172/2005, a margem de consignado de 30% foi majorada para 35%, restando definido que o percentual aumentado de 5% se daria mediante a modalidade de cartão de crédito consignado. Em março de 2021, o limite de margem de consignado, através da Lei no 14.131/21, foi aumentado para 40%, mantendo-se inalterado a questão dos 5% para margem de cartão de crédito consignado.
E é aqui que chamamos a atenção da população! Isto porque o empréstimo consignado pela modalidade de cartão de crédito, se não observado atentamente, pode vir a ser uma grande dor de cabeça aos consumidores, na medida em que o desconto na remuneração dos clientes não possui um termo final, ou seja, uma data certa para encerrar as deduções das parcelas. Tal situação ocorre pelo fato de que o pagamento da “fatura” do cartão se restringe ao percentual de 5% da reserva da margem de consignado, não amortiza qualquer saldo devedor e é descontado como se fosse o “pagamento mínimo da fatura” de um cartão de crédito convencional, se transformando, assim, em uma dívida eterna e uma verdadeira bola de neve.
A maioria dos tomadores de empréstimos não são informados de que ao pegarem os valores emprestados, caso não quitem todo o valor contratado, de uma única vez, pagarão infinitas parcelas, que corresponderão a 5% do seu benefício previdenciário. O pior de tudo é que, infelizmente, não há publicidade e clareza nas informações passadas aos aposentados e pensionistas pelas empresas financeiras que vendem esse serviço de “cartão consignado”. Pode-se dizer que é um “golpe velado”.
Em que pese a existência do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto do Idoso, importante esclarecer que o Poder Judiciário Sul-Mato-Grossense, recentemente, quando instado a se manifestar acerca desta famigerada modalidade de crédito, que consiste em verdadeira armadilha para os consumidores, fixou entendimento no sentido de que o cidadão que adquiriu esta modalidade de empréstimo, via cartão de crédito pela RMC (reserva de margem de crédito), deve ler atentamente o contrato que está assinando e o tipo de serviço ofertado pelas instituições bancárias, não sendo possível qualquer rediscussão contratual ou convolação (leia-se adequação) deste empréstimo em um outro financiamento que tenha uma quantidade determinada de parcelas.
O fato é que toda esse situação desencadeou, na atualidade, um aumento exponencial de fraudes das mais diversas formas, a saber: a) praticadas por instituições bancárias que creditam valores sem que o consumidor tenha contratado empréstimos e, daí, passam e efetivar descontos mensais indevidos em desfavor destes; b) contratos de empréstimo celebrados por estelionatários, no qual o valor tomado é depositado em contas de terceiros e os consumidores lesados somente ficam responsáveis pelo pagamento das parcelas que são indevidamente debitadas de suas contas bancárias; c) ofertas de portabilidade entre instituições financeiras, nas quais os únicos beneficiados são as próprias casas bancárias; d) contratos de adesão de empréstimo com “vendas casada”, onde constam cláusulas que condicionam a liberação de valores apenas se o consumidor contratar serviços de seguros ou se filiar a associações ou sindicatos e etc.
O fato é que é de suma importância que aqueles que desejam contratar qualquer modalidade de empréstimo, especialmente os mais idosos e/ou menos esclarecidos, sejam assistidos por familiares quando da aquisição destes serviços. Ainda, a fim de se evitar qualquer divergência de entendimento sobre o serviço de crédito oferecido pelas instituições, evite efetivar a contratação por telefone ou pela internet e leia atentamente os contratos.
Por fim, e não menos importante, tenham o costume de analisar com frequência os descontos em seus contracheques ou benefícios previdenciários no site www.meuinss.gov.br e, em caso de alguma suspeita ou dúvida, procurem um advogado de confiança para averiguação de qualquer irregularidade.
(*) Glauberth Holosbach é advogado especialista em direito consumerista, família e sucessões e direito empresarial. Membro da comissão de direito do consumidor da OAB/MS.