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Impacto das aulas remotas para estudantes com surdez

Carlos Pereira de Carvalho Júnior (*) | 23/10/2020 08:51

A Educação nos provoca repensar nossas estratégias, nossos caminhos escolhidos para atingirmos os nossos objetivos quanto à inclusão de pessoas surdas – e suas emoções – num mundo globalizado em época de pandemia. Período em que, cada vez mais distantes fisicamente das pessoas, há uma distância ainda maior daqueles que não ouvem, ou seja, dos surdos. Como consequência, transformou-se o trabalho de docentes e discentes fora das escolas, das universidades e do convívio social presencial.

Meu objetivo é propor reflexões e discutir sobre o mundo e as emoções no aprendizado de alunos com surdez em aulas remotas sem acessibilidade visual para a leitura labial, o que configura um quadro de sentimentos e reações que, na medicina, se denomina síndrome de burnout. Manifesta em sentimentos de solidão com relação ao enfrentamento à falta de comunicação em tempos de pandemia, produz no surdo sentimentos de incapacidade, insegurança e distanciamento dos demais, o que dificulta significativamente o seu aprendizado.

Caracterizada como um distúrbio psíquico causado por altos níveis de estresse e pelo estado emocional desequilibrado, desenvolvidos a partir de condições de estafa e esgotamento emocional, a síndrome pode atingir qualquer profissional, docente, estudante em qualquer idade e também em todas as classes sociais. A síndrome se gera após um período de trabalho excessivo, um estado de exaustão em que a pessoa que o desenvolve passa a apresentar comportamento agressivo, com sintomas físicos e emocionais.

Temos que pensar em como enfrentar as barreiras que vêm ocorrendo com o fechamento de escolas e universidades, o que traz maior dificuldade ainda para aqueles que necessitam de um olhar, de um sinal de Libras para a sua comunicação interpessoal, social e contextual.

As pessoas surdas, ao longo da história, enfrentaram e enfrentam inúmeras situações e barreiras para conseguir se inserir e permanecer na educação escolar, e com isso buscam o reconhecimento e a inclusão. Em geral, a sociedade fica receosa e apreensiva por não saber como se relacionar com os sujeitos surdos, que, em algumas situações, são tratados de forma paternal, como “coitadinhos”, ou como se tivessem “doença contagiosa”, de forma preconceituosa – estereótipos construídos pela falta de conhecimento.

Muitos defensores da Língua Brasileira de Sinais para os surdos afirmam que ela é considerada “natural”, adquirida em qualquer idade, e que a partir dela o surdo constituirá uma identidade surda, já que ele não é ouvinte. A maioria dos estudos tem como base a ideia de que a identidade surda se define pelo uso da língua. Ou seja, o uso ou não da Libras seria o que definiria basicamente a identidade do sujeito, que só seria desenvolvida em contato com outro surdo.

Não existe, entretanto, um fator único de identidade; esta é construída pelo exercício de papéis sociais diferentes (ser surdo, rico, heterossexual, branco, professor, pai, por exemplo) e também pela língua comum que constrói nossa subjetividade.

De acordo com as minhas experiências como deficiente auditivo em relação ao contato com o público surdo, percebo que a ausência de comunicação entre surdos e ouvintes causa barreiras entre eles, e isso afeta muito o sujeito surdo. E é bastante perceptível que as falhas de comunicação começam em casa, continuam na escola e, depois, permanecem na vida cotidiana do sujeito surdo, acompanhando-o nas esferas sociais.

A Comunicação não chega aos surdos como chega para os ouvintes. Importa dizer aqui que na maioria das vezes é a mãe e os irmãos que repassam as informações das aulas para o surdo, porque ele não consegue compreender o que está sendo falado. Existe um distanciamento também nessa parte, daí os sentimentos de solidão, incapacidade e exaustão, surgindo a síndrome de burnout, com sentimentos de irritabilidade, pouca vontade de estudar – desistência em muitos casos -, além do constrangido diante dos familiares e dos demais por não conseguir participar ativamente das aulas online.

É importante reconhecer que existem diversos graus de surdez, o que impacta na forma de comunicação. Sendo assim, algumas pessoas têm dificuldade apenas para entender conversas em locais muito barulhentos, enquanto outras praticamente não captam som algum. Há, ainda, indivíduos que usam aparelhos auditivos e conseguem escutar com plenitude, outros que fazem leitura labial. Também existem aqueles que utilizam a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

A Libras é especialmente importante dentro da comunidade surda e seu uso deve ser difundido para que tenhamos uma comunicação acessível. Nem toda pessoa com perda auditiva, contudo, utiliza essa linguagem, fazendo uso tradicional do português. Nesse caso, a legenda é um recurso essencial para ajudar na comunicação entre surdos e ouvintes.

O mais importante é que cada uma dessas pessoas é um indivíduo com plena capacidade cognitiva e que busca interação social. Por isso, a comunicação entre surdos e ouvintes é algo necessário. É por meio dela que se combate o preconceito e diminuiu-se o isolamento que atinge muitos indivíduos com perda auditiva.

A pandemia de Covid-19 provocou uma crise sem precedentes, sem previsibilidade, sem fronteiras, com reflexos humanitários, sociais, econômicos e culturais significativos. Diante de um cenário tão desafiador e das medidas de restrição de circulação para conter o avanço do novo coronavírus, o trabalho remoto ganhou uma nova dimensão.

Estudos mostram que os sentimentos de solidão e o comprometimento emocional de alunos se modificam conforme sua graduação, mas há um dado significativo com relação à síndrome de burnout: ela afeta tanto alunos com notas acima como alunos com notas abaixo da média. Isso indica que a implantação de atividades remotas no fechamento das escolas e universidades não impediu o desencadeamento dessa síndrome, afetando o rendimento acadêmico dos alunos e, ainda, suas relações.

Ainda, os surdos se sentem isolados em várias esferas sociais, incluindo as aulas remotas, os encontros virtuais e a falta de materiais visuais, e o maior impasse entre todas as situações é a falta de comunicação, que engloba todo e qualquer distanciamento. Espera-se que surjam mudanças que possam ampliar a oferta de serviços para inclusão e apoio a esses cidadãos. Não basta ter o intérprete, precisamos de qualificação para todos em qualquer contexto social.

Fazem-se necessários, portanto, mais estudos longitudinais para confirmar e esclarecer esses fatores e agregar outros para melhor compreender o aprendizado e o desempenho desses estudantes.

Vale lembrar que para uma educação ser de fato para todos, ela tem que ter um ambiente virtual adequado, com plataformas permanentes de acessibilidade, e não somente em lives. Em toda e qualquer situação que envolva a comunicação, deve haver a troca e o respeito com aquele que apresenta alguma necessidade de acessibilidade diferenciada para participar, aprender e contribuir na construção do aprendizado.



(*) Carlos Pereira de Carvalho Júnior é psicólogo e mestrando DE Educação em Ciências na UFRGS. Ele tem deficiência auditiva severa profunda.

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