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Janeiro Branco: estamos fazendo o que é necessário?

Por Leonardo de Almeida Sodré (*) | 12/01/2024 09:30

Mais um ano se inicia e, como todo início de mês, novas campanhas de promoção de saúde surgem nas mídias para alertar a população sobre determinadas patologias. Há dez anos surgiu no Brasil o Janeiro Branco, campanha voltada para a promoção de saúde mental.

Diferente do Setembro Amarelo, voltado para a prevenção do suicídio – sem provocar comparações, pois são temas igualmente importantes e complementares no mesmo propósito – o Janeiro Branco visa à promoção de saúde mental com foco na saúde em si. Seu idealizador, o psicólogo Leonardo Abrahão, escolheu o mês de janeiro como proposta de associar a promoção de saúde mental a este momento do ano em que as pessoas geralmente estão planejando suas metas para o ano que se inicia. E com este clima de promoção de saúde mental, aproveito para incitar uma reflexão.

Temos pelo menos uma década de campanhas discutindo a necessidade de refletirmos sobre nossa saúde mental. Ao mesmo tempo, temos um aumento vertiginoso da incidência de transtornos mentais e de casos de suicídio na população, com estes dados sendo mais marcantes na população mais jovem. O que será que está acontecendo? Estamos alcançando nossos objetivos?

Quando lidamos com prevenção em saúde, há três níveis de atuação importantes: prevenção primária, em que trabalhamos a promoção de estilo de vida saudável para que se previna o desenvolvimento de estados patológicos; prevenção secundária, para que atuemos sem demora naqueles que começaram a manifestar algum sofrimento psíquico; e prevenção terciária, para que possamos promover melhora de estados graves e crônicos de adoecimento psíquicos, diminuindo os prejuízos de funcionalidade.

A campanha Janeiro Branco tem um papel fundamental de prevenção primária e secundária, informando a população sobre a importância de mudança de estilo de vida e sobre como e onde buscar ajuda para aqueles que estão manifestando adoecimento psíquico. No entanto, seus benefícios podem ser potencializados ou anulados a depender de outras ações.

Ao longo destes anos lecionando para graduandos de medicina, espantei-me com o desconhecimento dos alunos acerca dos agravos à saúde mental pelo uso de substâncias de abuso, não apenas em relação ao consumo de substâncias ilícitas, mas inclusive em relação à difundida prática de consumo de bebidas alcoólicas.

Apesar do crescimento na produção de conhecimento científico na área, via alunos cada vez mais habituados a consumirem álcool e outras drogas em grandes quantidades, mesmo aqueles mais engajados em campanhas de promoção de saúde mental. Igualmente preocupante é a ausência de ferramentas sociais e institucionais para a substituição de comportamentos de risco para o adoecimento psíquico por comportamentos de promoção de saúde, como a prática de esportes, a boa higiene do sono e, até mesmo, acesso a serviços de saúde mental amplos.

É praticamente inexistente nas universidades federais um corpo técnico mínimo para atendimento de alunos, com assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros e psiquiatras – quando presentes, seu numero reduzido não consegue dar conta da enorme demanda. Ao longo desses anos, recebi pedidos de muitos alunos aflitos, passando por quadros de ansiedade e depressão, às vezes em situações de urgência, sem saber onde encontrar socorro, pois os meios existentes estavam lotados e sem previsão de conseguir atendimento.

Este fenômeno de dissociação, onde o discurso teórico de promoção de saúde está desconectado do comportamento, não se restringe aos alunos universitários. Encontramos, por exemplo, o corpo docente também por vezes adoecido, com saúde mental precária, que se relaciona de forma severa com alunos e entre seus pares, perpetuando um meio institucional muitas vezes hostil, particularmente para os mais vulneráveis ao adoecimento mental.

Encontramos também uma sociedade com comportamentos culturais também dissociados, buscando promover a saúde mental em janeiro e promovendo uma semana de abuso de substâncias e perda de controle de impulsos no mês seguinte durante o carnaval. E estes comportamentos de risco para a saúde mental seguem ao longo do ano em maior ou menor intensidade.

Portanto, humildemente proponho a você, leitor, refletir sobre as seguintes questões: que hábitos você desenvolveu nestes últimos meses que vão de encontro a uma saúde mental adequada? Como você tem promovido a sua saúde mental e a das pessoas com quem você convive, seja em sua família, em seus vínculos de amizade, em seu trabalho? Quais seus planos de vida e como eles se conectam a um estilo de vida saudável do ponto de vista físico e mental?

Pois pouco efeito terá ao discutirmos saúde mental se não formos capazes de analisarmos como estamos nos tratando e como estamos tratando as pessoas com quem convivemos. Pouco efeito terá se nós formos incapazes de analisar que sentido, que propósito, queremos dar à nossa existência.

(*) Leonardo de Almeida Sodré é médico psiquiatra e professor adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília.

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