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Mais Médicos: fraudes e menos atendimentos

Por Sandra Franco (*) | 14/03/2017 14:00

Vendido pelo Governo Federal como a solução para o atendimento básico de saúde nas cidades brasileiras, o Programa Mais Médicos está entre os projetos que não saem dos holofotes da polêmica.

Levantamento do Ministério da Transparência revelou que muitas prefeituras brasileiras aproveitaram as contratações do programa para demitir outros médicos que já trabalhavam para o município. Além de ser ilegal, essa manobra demonstra que o planejamento e a ideia inicial do programa “foi um tiro pela culatra”.

Vale lembrar aqui que, quando do lançamento do programa, instituições como CFM, AMB apontavam para esse possível deslinde. Assistia razão a elas!

De acordo com o estudo, antes do programa, a atenção básica brasileira contava com 47 mil médicos. De 2012 a 2015, 18 mil médicos do programa foram contratados para ampliar o atendimento no país. Mas no fim da investigação, apenas 54.525 médicos trabalhavam na atenção básica.

Dez mil médicos a menos. Na Bahia foi onde essa prática mais ocorreu. As prefeituras tinham 3.400 médicos. Elas receberam 1.600 profissionais do programa, mas nem quatro mil estavam atendendo. Mil a menos do que o esperado.

O levantamento constatou que mais da metade dos médicos do programa substituíram outros e não reforçaram o atendimento à população, como se desejava.

O escopo do projeto, conforme definição do governo, era o de melhorar e dar mais efetividade ao atendimento da população. Talvez tenha faltado preparar melhor os gestores, os quais acabaram por demonstrar, em mais uma oportunidade que não estão preocupados com a população e uma efetiva aplicação dos recursos em uma das áreas mais críticas e fundamentais em qualquer sociedade.

As regras impostas inicialmente pelo Ministério da Saúde para o Mais Médicos se demonstraram fáceis de burlar porque não existe uma fiscalização efetiva de como está sendo realizado o trabalho, como está sendo investido o dinheiro.

Não é pouco dizer que mesmo a sociedade civil organizada em órgão como o COMUS (Conselho Municipal de Saúde) ou outras organizações existentes não tem subsídios o suficiente para cobrar maior resolutividade. A quem se deve recorrer? Ministério Público? Qual o tempo a transcorrer entre a instauração de um Inquérito Civil e as medidas reformativas e/ou punitivas?

Neste caso específico, a regra é clara: o município que recebe profissionais do Mais Médicos não pode substituir os médicos da equipe e é obrigado a manter - durante a execução do projeto - os médicos não participantes do programa. Porém, no Brasil vale a máxima de que “toda regra está aí para ser descumprida”, se assim for conveniente.

Segundo o Ministério da Transparência, a União repassou à OPAS - encarregada do pagamento dos médicos cubanos – R$ 4 bilhões. A investigação concluiu que a prestação de contas é incompleta. Até agora o Ministério da Saúde não apresentou comprovantes para justificar repasses de R$ 316 milhões.

O Ministério da Saúde informou que já notificou as prefeituras que não estavam cumprindo as exigências do programa e bloqueou as vagas. Mas é o dinheiro que já foi repassado? E os profissionais que foram demitidos?

No Brasil, o tempo é fator aliado daquele que deseja errar sem ser punido.

(*) Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, presidente da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São José dos Campos (SP), presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde, membro do Comitê de Ética da UNESP para pesquisa em seres humanos e Doutoranda em Saúde Pública.

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