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O que é e para que serve a delação premiada

Por Newley A. S. Amarilla (*) | 05/06/2017 08:37

Depois da colaboração premiada dos irmãos Batista, o tema tem sido muito cogitado fora dos meios acadêmicos e forenses. Por isso, resolvi escrever um pouco sobre o assunto, buscando esclarecer alguns pontos desse importante meio de obtenção de prova no processo penal.

Por razões culturais e históricas, nós brasileiros e em geral os latino americanos, condenamos socialmente o “dedo-duro”, como se denomina popularmente aquele que delata ou informa acerca da conduta de outrem. Todavia, do ponto de vista moral e legal, o gesto de delatar é não só desejável e elogiável como merece recompensa, desde que produza resultado, recompensa esta que pode ir desde o não oferecimento de denúncia por parte do Ministério Público até o perdão judicial.

Essas “polpudas” recompensas, no entanto, são recentes e foram introduzidas na legislação especialmente para combater as organizações criminosas. No Brasil, nos moldes em que praticada hoje, a colaboração premiada (nome pelo qual a lei trata a delação), tem suas origens na “Convenção de Palermo”, como ficou conhecido o pacto das Nações Unidas contra o crime organizado, subscrito no ano de 2000 na cidade siciliana do mesmo nome, onde foram assassinados Paolo Borsellino e Giovanne Falcone, magistrados que ficaram conhecidos por seu combate às máfias italianas.

Essa convenção foi promulgada no Brasil em 2004 (Decreto 5.015/2004) e admite a colaboração premiada como meio de obtenção de prova, encorajando pessoas que participam de grupos criminosos organizados a cooperar com o fornecimento de dados no combate ao crime. Sendo eficaz a colaboração, seu autor fará jus ao prêmio.

Mas somente em 2 de agosto de 2013, com a edição da Lei 12.850, chamada “Lei de Combate às Organizações Criminosas”, é que a colaboração premiada foi regulamentada no direito brasileiro, demora que não impediu o Ministério Público de celebrar os primeiros acordos dessa natureza, no âmbito do caso Banestado, envolvendo o notório Alberto Youssef, entre os anos de 2003 e 2007.

E como funciona a colaboração premiada?

Pois bem, o primeiro aspecto a ser considerado, embora pareça óbvio, é que seu autor deve ter conhecimento direto – e provas – dos fatos que pretende informar, distinguindo-se ele, porém, de uma mera testemunha porque esta não faz parte da orcrim (abreviação de organização criminosa), enquanto aquele participa do grupo delinquente.

Aquele que estiver disposto a colaborar pode negociar os termos junto à Polícia ou ao Ministério Público, sempre assistido por um advogado, eis que as repercussões de semelhante proceder podem ser várias e devem ser levadas em consideração para fins de adesão ou não por parte do pretendente. Essa colaboração também pode ser prestada após a sentença condenatória, caso em que a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime, ainda que ausentes os requisitos objetivos.

Prescreve a lei (12.850) que fará jus ao prêmio (perdão judicial, redução em até 2/3 [dois terços] da pena privativa de liberdade ou substituição dela por restritiva de direitos) o colaborador “que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal”, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: I – identificação dos demais partícipes da orcrim e das infrações penais por eles praticadas; II – revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da orcrim; III – prevenção de infrações penais por parte da orcrim; IV – recuperação total ou parcial do proveito dos crimes praticadas pela orcrim; V – localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Excepcionalmente, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador não for o líder da organização criminosa e for o primeiro a prestar efetiva colaboração. É o que recentemente ocorreu aos irmãos Batista, a quem ficou garantido por parte da Procuradoria Geral da República o não oferecimento de denúncia pelos crimes confessados, isto é, assegurou-se a eles mais do que o perdão, ou seja, uma espécie de declaração antecipada e independente de qualquer processo de que estão imunes à lei penal. É o prêmio máximo.

Nada obstante tenha o acordo de colaboração que se sujeitar à chancela judicial, o juiz não participa das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorre entre o delegado de polícia, o investigado e o advogado deste, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.

Realizado o acordo, este é remetido ao juiz para homologação, o qual deve verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor. O juiz pode recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.

Além do prêmio em si, a lei garante ao colaborador, se acordado for: usufruir, juntamente com sua família, das medidas de proteção previstas na lei (Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas); ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados; ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes; participar das audiências sem contato visual com os outros acusados; não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito; cumprir pena, quando aplicada, em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.

A colaboração/delação premiada, de largo uso na denominada operação “lava-jato”, deve ser vista como importante meio de obtenção de prova contra as organizações criminosas e veio para ficar, tendo sido promovida pela opinião popular e mídia à posição de mais poderosa arma contra o crime organizado, principalmente o de corrupção, embora a lei vede sentença condenatória proferida com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador. Ao decidir colaborar, a pessoa deixa de lado a lealdade ao grupo criminoso e acerta suas contas com a Justiça, com a sociedade e principalmente com os seus, abandonando os malfeitos e os malfeitores.

(*) Newley A. S. Amarilla é advogado e foi aluno do Curso de Pós-Graduação em Direito Penal Econômico promovido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) em parceria com o Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu (IDPEE), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal. E-mail: newley@newley.com.br.

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