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Patrimônio em chamas no Museu Nacional

Marta Busnello Alves (*) | 02/08/2022 13:30

Era o primeiro domingo de setembro de 2018. Precisamente, o segundo dia daquele mês. No início da noite, os canais de televisão noticiaram que o Museu Nacional estava em chamas. O impacto do prédio sendo consumido pelo fogo tinha, para mim, a mesma grandeza das imagens de trabalhadores do Museu em prantos ao ver os mais de 200 anos de história da instituição virando cinzas. Decidi acompanhar as narrativas produzidas pela imprensa sobre o trágico evento.

A memória seleciona o que vai reter, dada a profusão de informações que recebe e não consegue armazenar. Uma opção é estabelecer um recorte para registrar o incêndio na instituição bicentenária da Quinta da Boa Vista. Ela recaiu sobre as publicações impressas de O Globo, veículo de maior circulação do país.

A geografia foi preponderante na escolha do meio a ser analisado, pois na área da Comunicação Social, a literatura aponta que a notícia assume interesse particular quando ocorre na mesma localização do acontecimento. O Globo e o Museu Nacional estão sediados no estado do Rio de Janeiro. Assim foi produzido o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) no Bacharelado em Museologia da UFRGS intitulado Patrimônio em Chamas: narrativas sobre o incêndio do Museu Nacional no jornal O Globo.

Identificar e analisar as narrativas veiculadas no período de 3 a 10 de setembro daquele ano foi o ponto de partida. A busca resultou no achado de 140 textos entre artigos, editoriais, notícias, cartas ao leitor e notas, mais 32 imagens.

A visão do prédio tomado pelas chamas ultrapassou a pretensa objetividade do recurso da fotografia no jornalismo e se inscreveu como registro emblemático de uma tragédia que impressionou e comoveu, evocando histórias e memórias sobre o Museu Nacional. 

Na composição das notícias, a dramaticidade do evento se impôs. Fatos, imagens, histórias e memórias fizeram parte de notícias e opiniões que construíram um panorama da instituição sob as cinzas. Ele inclui a abordagem de aspectos financeiros envolvendo, em especial, a Universidade Federal do Rio de Janeiro. É a responsável por gerir o orçamento federal destinado à instituição museológica e seu acervo. Pelas primeiras informações divulgadas, 20 milhões de itens haviam desaparecido sob as chamas.

As narrativas da perda foram elementos com presença constante nas publicações. Exemplos do que foi destruído ocuparam páginas ilustradas com mapas de localização e destaque para o que o jornal denominou de “tesouros” e “relíquias”, continuando, dessa forma, a reproduzir a ideia do patrimônio vinculado ao sagrado, o intangível, apesar dos elevados recursos necessários à preservação e conservação.

No que se refere à administração do Museu, a opinião da empresa jornalística O Globo foi expressa em três editoriais e frisou que tais instituições deveriam estar sob os cuidados de agentes não governamentais, visando maior eficiência na gestão. Surgiu, então, um embate na seara das disputas de poder, haja vista o Grupo Globo ter estreitos vínculos com outras iniciativas museológicas.

Jornalistas e intelectuais apresentaram, em artigos e crônicas, diversas facetas do Museu Nacional. Em alguns textos, o Museu surgiu como recordação da cidade, enquanto um lugar de passeio em família.  Em outros, foram lançadas reflexões sobre o fato de que, ao perdermos parte do passado, comprometemos o futuro das próximas gerações. Ainda assim, percebe-se, na cobertura do jornal, que os leitores, mesmo que tenham acompanhado exaustivamente o que foi publicado, saíram dessa maratona de leituras sem ter a dimensão exata do significado do que foi perdido.

O papel social do museu enquanto produtor de conhecimento não esteve presente na cobertura de O Globo. A compreensão de que o Museu Nacional faz parte da vida dos brasileiros careceu de maior divulgação.

A partir do que foi analisado em oito edições, ficou evidente que o jornal O Globo produziu uma cobertura marcada pela exposição da dramaticidade do evento e que reforçou a perda inestimável do patrimônio. No entanto, não forneceu aos seus leitores informações fundamentadas sobre o significado, o emprego e as potencialidades advindas das descobertas científicas resultantes do acervo e a ele incorporadas ao longo de duzentos anos.

A alma do Museu Nacional continua viva em suas pesquisas. Ele é celeiro de conhecimento para o país e o mundo através de tais produções já realizadas e das que ainda resultarão do material recuperado.

A pesquisa realizada sugere que, além das exposições, sejam criados mecanismos para difundir a percepção da sociedade sobre o patrimônio cultural que está a sua disposição. Um museu é muito mais do que a exposição pública de peças cuja função se esgote em despertar curiosidade. Também é sugerida a ampliação do diálogo com os meios de comunicação para esclarecer as funções das instituições museológicas e sua importância na produção de conhecimentos para o planeta e para a humanidade. Museus não devem ser notícia apenas quando são alvo de uma tragédia.

(*) Marta Busnello Alves é graduanda no curso de bacharelado em Museologia na UFRGS e, no trabalho de conclusão de curso, foi orientada por Zita Rosane Possamai.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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