Pela dignidade e pela segurança jurídica: Piso da Enfermagem, já!
O que se espera do Poder Judiciário é estabilidade e segurança jurídica, para que a sociedade possa antever a quais regras estão e serão submetidas, mitigando assim conflitos e queixas quanto a necessária e correta distribuição da justiça, e com base nisto é que se levantam irresignados os trabalhadores de enfermagem de todo o Brasil, pois em pleno domingo (04/09) o Ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação direta de inconstitucionalidade (ADI n. 7222), deferiu medida cautelar em favor da Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimento e Serviços (CNSaúde) e com isto suspendeu a vigência do novo piso nacional da enfermagem, sob o fundamento de: “riscos a autonomia dos entes federativos” e da “subsistência de inúmeras instituições hospitalares”, e por conseguinte, segundo o eminente ministro “ (quanto a riscos) da própria prestação dos serviços de saúde”, e assim decidiu mesmo considerando ser “legítimo o objetivo do legislador de valorizar os profissionais (de enfermagem), que, durante o longo período da pandemia da Covid-19, foram incansáveis na defesa da vida e da saúde dos brasileiros”.
Pois bem, o arcabouço jurídico para a decisão do Ministro divergiu e muito quando um tema semelhante chegou ao Supremo Tribunal Federal na Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade de n. 4.167-3, e cujo feito teve como relator o Ministro Joaquim Barbosa, que na análise da medida cautela que visava também suspender o “piso do magistério” regurgitou a alegada tese de quebra do pacto federativo, não havendo naquela feita, para o Supremo Tribunal Federal “eventuais riscos à autonomia dos entes federados” como agora suscitado pelo Ministro Barroso, e tal decisão do Ministro Joaquim Barbosa deitava-se a análise da limitação da jornada de trabalho em 40 horas semanais com a limitação de atividades em sala de aula em no máximo 2/3 desta jornada, o que por certo, urgiu demanda na contratação de pessoal do magistério para Municípios e Estados, já que um 1/3 da jornada de trabalho de 40 horas semanais foi destinado ao planejamento, e cujo argumento foi dissuadido pelo Ministro Joaquim Barbosa no indeferimento da cautelar, que com percuciente entendimento asseverou que os entes federados “estão representados pela União e pelo Congresso Nacional”, e que assim a adoção de normas gerais e planificadoras (como é o caso do Piso da Enfermagem) são instrumentos úteis para o desenvolvimento regional, fundamento este muito diverso do agora assentado pelo Ministro Barroso.
De outra mão, quanto ao suposto “risco a subsistência de inúmeras instituições hospitalares” que tangencia a rede privada de atenção à saúde, arguido pelo Ministro Barroso, é dizer que o mesmo Supremo Tribunal Federal no âmbito dos autos da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) de n. 325 ajuizada também pela CNSaúde, de relatoria da Ministra Rosa Weber, julgou parcialmente procedente a aludida ação para garantir o piso salarial da classe médica e seus auxiliares conforme estatuído na Lei Federal de n. 3.999/61 assim como o e. STF em tal julgamento também garantiu a jornada especial de no máximo 04 horas diárias aos médicos e cirurgiões dentistas, sem que com isto se cogitasse (como agora se cogita) o “risco a subsistência às inúmeras instituições hospitalares”, pelo contrário, no que toca essa intervenção estatal na relação privada, no julgamento da ADPF em questão fixou entendimento que é possível estabelecer jornada especial a determinada categoria de trabalhadores por meio de Lei Nacional sem que com isto fira o princípio da autonomia da vontade coletiva e por corolário o princípio da autonomia da vontade privada. E veja, é sem dúvida que consentir jornada especial com limitador de quatro horas diárias é conceber impacto na contratação de pessoal (custos com despesa de pessoal) que são arcados pelas instituições hospitalares privadas, no entanto, repisa-se, não se viu no julgamento deste caso, como em tantos outros que debatem sobre fixação de piso salarial, a preocupação com os riscos a subsistência de instituições hospitalares, como no caso da enfermagem.
Dessarte, diante dos precedentes da Corte não se concebe o porquê o Ministro Barroso entendeu conceder a cautelar e suspender os efeitos da Lei do Piso da Enfermagem, no entanto, agora diante da movimentação das mulheres e dos homens de branco que como bem dito pelo aludido ministro “foram incansáveis na defesa da vida e da saúde dos brasileiros” resolveu pautar para referendo da cautelar o julgamento pelo pleno a partir deste dia 09 de setembro, onde os ministros do Supremo Tribunal Federal irão decidir se mantém ou não suspenso o piso da enfermagem, e nisto é oportuno clamar para que a Suprema Corte de nosso país se apegue em seus precedentes e na jurisprudência da Corte para conferir dignidade a essa classe tão vilipendiada pelo poder público e pelos empregadores na iniciativa privada, cabendo-nos aqui clamar que Vossas Excelências não sejam consequencialistas, ou meramente fazendários, e cumpram tão somente o papel de aplicar o direito, pois mesmo em questões econômicas não há consenso sobre o impacto do piso da enfermagem, digo isto pois li a coluna do Dr. Pedro Fernando Nery publicada neste 06 de setembro no “Estadão” (O Estado de São Paulo), onde este renomado Doutor em Economia, considerou que muito embora o piso pressione custos, o mesmo serve para dinamizar a economia e tornar mais atraente para o mercado de trabalhos os cargos e vagas da enfermagem em todo o Brasil, e como sentenciou o Dr. Pedro Fernando em sua coluna, mesmo não sendo um jurista: “é fascinante que o STF possa considerar uma lei inconstitucional mesmo prevista na Constituição”.
(*) Márcio Almeida Advogado do Sindicato dos Trabalhadores em Enfermagem do Município de Campo Grande (SINTE/PMCG)
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