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Problema de Menina

Bárbara Camargo Alves (*) | 14/04/2023 14:00

Não é de hoje que violência de contra a mulher é tema do momento. Ela demorou para sair da invisibilidade e o Brasil precisou ser condenado por omissão pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) para promover algumas alterações legais, e penais, a fim de criar mecanismos de proteção à mulher.

No entanto a demora do Brasil para criar mecanismos de proteção a mulheres vítimas de violência conjugal foi inversamente proporcional à velocidade das mudanças legais sobre o tema nos últimos anos. Desde 2015, com a inclusão do feminicídio como qualificadora do homicídio, praticamente todos os anos uma lei vem sendo publicada, seja no intuito de criminalizar condutas que ainda não eram reprimidas pelo Direito Penal, seja para melhorar o mecanismo de proteção à mulher vítima. Melhorar?

Em um país de estrutura patriarcal, com um Congresso Nacional conservador e majoritariamente masculino, não é difícil imaginar que o problema da violência doméstica, enraizado no machismo social, seja resolvido com a criação de mecanismos igualmente sexistas. É que desde 2017, com a alteração da lei conhecida por Maria da Penha promovida pela Lei 13.505, o atendimento de mulheres em situação de violência doméstica e familiar deve ser realizado “preferencialmente” por pessoas do sexo feminino. A ideia pareceu boa aos olhos dos congressistas, tão boa que foi repetida pela recém sancionada lei 14.541/2023.

Esta Lei 14.541 foi inicialmente projetada para disciplinar a obrigatoriedade de todas as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher em todo o Brasil funcionem de forma ininterrupta. Em sua versão final, no entanto, determinou novamente que o atendimento policial às mulheres seja realizado preferencialmente por policiais do sexo feminino e que nos municípios onde não houver delegacia especializada, a delegacia existente deverá priorizar o atendimento da mulher vítima de violência por agente feminina especializada.

O resultado disso é que um assunto tão grave e importante vem sendo transformado, com a anuência legal, em um assunto de menina. O Brasil possui um dos mais altos índices de morte de mulheres em razão de seu gênero. Em 2022, na contramão da queda vista no número de homicídios, 1% menor que no ano anterior segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), viu-se um aumento de 5% nos casos de feminicídio e o ano fechou com 1,4 mil mulheres mortas pelo simples fato de serem mulheres.

Esses dados por si só mostram que o tema deve ser debatido (e combatido) por todos, com formação especializada para todos e não apenas para mulheres em eventos decoradas de cor de rosa. Na prática, no entanto, a lei cria uma segregação no interior da própria Polícia Civil, visto que simplesmente por ser mulher, a policial sabe que lhe será atribuída uma função em uma unidade de combate à violência doméstica. Na polícia, o lugar da mulher não é onde ela quiser.

A ironia de tudo isso é que a entrada da mulher em um terreno historicamente monopolizado por homens começou justamente pelo fato de que esses homens descobriram que precisariam lidar com crimes que eles mesmos não gostavam de investigar: a violência contra grupos minoritários. É como se esse espaço majoritariamente masculino tenha aberto suas portas, mas não por completo. Nos resta apenas os locais menos desejados por eles, menos operacionais, menos policiais e mais emocionais – e tudo isso com o aval legal.

A inclusão do termo “preferencialmente” no lugar de “obrigatoriamente” é fácil de ser compreendido. Segundo dados da Agência Brasil, apenas 26,05% dos policiais civis brasileiros são do sexo feminino. Isto é, por ora, as policiais brasileiras são só “preferencialmente” colocadas para trabalhar com a violência doméstica, pois à medida que essa diferença for diminuindo, não haverá mais outro lugar para a policial feminina que não alguma delegacia especializada ao atendimento à mulher. Novamente, o espaço relegado à mulher, agora policial, volta a ser o espaço “doméstico”.

(*) Bárbara Camargo Alves é Delegada da Polícia Civil do Estado de Mato Grosso do Sul, graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e em Direito pelo Centro Universitário de Goiás. Especialista em Direito Penal e Controle Social pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB/ICPD) e mestranda em Direito Penal e Ciência Criminal – Segurança Interior, pela Université Jean Moulin Lyon 3 (França).

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