Retomando a centralidade das instituições políticas
Certamente, algumas obras literárias merecem ser mais bem conhecidas do que hoje. Inobstante o imenso universo das letras, ficcionais ou não, científicas ou acessíveis ao público leigo, pesquisas reiteradas concluem que o brasileiro lê menos do que é capaz. De fato, o tempo pode ser superiormente aproveitado – sobretudo, em tempos de pandemia obstinada – com a apreciação de bons livros.
Não se pode afirmar que a obra Why nations fail: the origins of power, prosperity, and poverty (Por que as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza), de Daron Acemoğlu e James A. Robinson, publicada em 2012, passou despercebida entre nós. A publicação encontrou repercussão no País, conquanto pudesse ter logrado maior atenção; ouso conjecturar que os brasileiros estão entre aqueles que extraem da leitura os maiores proveitos.
Em meio às numerosas inferências feitas pelos economistas, restrinjo-me à que julgo fulcral, pois perpassa a pesquisa de ponta a ponta: a precedência das instituições como condição para a promoção do desenvolvimento e do bem comum. Com respaldo em conceitos da ciência política, da economia e da sociologia, lastreados em indicativos consistentes e evidências empíricas igualmente persuasivas, a poderosa conclusão apresenta-se com uma linguagem acessível ao público em geral.
Opostamente, o cotidiano político nacional parece, por vezes, fadado à discussão de nomes em torno dos quais se forjam autênticas arenas. Outrossim, perdemo-nos em categorias abstratas, cuja origem e significação concreta esquecemos. Instigam-se as movimentações presenciais e virtuais. O ciclo retroalimenta-se indefinidamente e o processo democrático decresce qualitativamente. Predomina o fenômeno caracterizado na filosofia como voluntarismo político.
Embora a existência de alternativas nominais permaneça indiscutível, pois fundamentada em dados objetivos e outras tantas predileções subjetivas, justificando e legitimando a existência dos ciclos eleitorais, tanto mais relevantes são os mecanismos institucionais que regem os agentes estatais. Definem comportamentos, incentivam condutas e condicionam atuações.
No mesmo sentido, é comum atribuírem-se os impasses políticos e sociais a fatores decisivamente culturais ou geográficos, como nossa tropicalidade. Historicamente, o argumento étnico é intermitentemente empregado. Por que as nações fracassam tem o mérito de expurgar rotulações e alçar o debate aos termos apropriados à quadra histórica contemporânea.
Convém recordar que o Brasil carrega também uma trajetória de pensamento institucional. Remonta ao Império e perpassa todas as fases republicanas. Com o transcurso do tempo, a corrente especializa-se em recortes políticos ou econômicos, por exemplo. Não se trata de um debate propriamente novo, mas que, assim como o itinerário do País, tem rupturas e recuos. Merece ser retomado com empenho.
Se esquecemos que a política, a economia e a sociedade operam fundamentalmente de acordo com regras transformadas em normas jurídicas e, portanto, aptas a modelar comportamentos, uma missão típica do direito e dos juristas abarca redescobrir e difundir a compreensão.
Exemplificação das mais eminentes, a separação dos poderes – hoje um pressuposto praticamente universal da organização pública – racionalizou as articulações intraestatais e as relações do Estado com a sociedade. Concatenou uma plêiade de organismos voltados à fiscalização e ao incremento qualitativo das práticas governamentais. Consagrou-se como condição à efetivação dos chamados direitos individuais, posto que o poder público deixou de servir-se da sociedade para servi-la, como analisado largamente por Acemoğlu e Robinson.
Ora, as estruturações estatais demandam atualizações permanentes. Se o mau desempenho político se credita não exclusivamente aos agentes exercentes do poder, mas, por extensão, aos arranjos defasados ou deficientes, faz-se necessária certa engenharia constitucional, no dizer do cientista político Giovanni Sartori. Reformar o Estado deve ecoar como uma aspiração perene.
Nas linhas dedicadas ao Brasil, os autores do livro reconhecem a existência de instituições que fomentaram o crescimento econômico. Não ingressam em especificações sobre os problemas nas estruturas políticas, como provocado presentemente. Essa omissão não se demonstra prejudicial. Cabe fundamentalmente aos brasileiros estabelecerem a ponderação. Fórmulas exógenas, meramente transladadas, não raro se exibem descontextualizadas ou anacrônicas. O debate precisa utilizar as peculiaridades nacionais como parâmetro.
Logicamente, as instituições não representam um ponto exaustivo, mas são fator-chave para quaisquer mudanças posteriores. O livro – às vésperas de seu aniversário de dez anos de publicação – assinala um ponto de partida. Tem o mérito de alargar os horizontes para causas hoje renegadas ao plano secundário por setores majoritários da população brasileira.
(*) Por Bruno José Queiroz Ceretta é doutorando da Faculdade de Direito da USP.