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Trabalho digno: um direito do ser humano

Isaac Roitman (*) | 22/08/2023 08:30

No Brasil, o salário mínimo mensal é de R$ 1.320, enquanto o dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) é de R$ 41.650,92. A diferença é de R$ 40.330,92 que representa mais de 30 salários mínimos. No caixa de um supermercado, um auxiliar de cozinha ou um ministro do STF, ao comprar um quilo de arroz, pagarão o mesmo preço.

De acordo com a Organização Internacional (OIT), o conceito de trabalho digno resume as seguintes aspirações: oportunidades para realizar um trabalho produtivo com uma remuneração justa; segurança no local de trabalho e proteção social para as famílias; melhores perspectivas de desenvolvimento pessoal e integração social; liberdade para expressar as suas preocupações; organização e participação nas decisões que afetam as suas vidas e igualdade de oportunidades e de tratamento.

A pandemia da Covid-19 expôs as feridas do mundo do trabalho, afetando principalmente os trabalhadores com menor proteção social e baixa escolaridade.

Não estamos juntos nessa

Nesse contexto, o professor da Universidade de Harvard Michael Sandel assim se pronunciou diante da indagação: “Você defende que não estávamos moralmente preparados para a pandemia. Por quê?”. “Porque chegou num momento de divisão e polarização quase sem precedentes. Chegou após quatro décadas de globalização neoliberal, guiada pelo mercado, que trouxe enormes desigualdades e também atitudes em relação ao sucesso e ao fracasso que geraram uma profunda divisão entre vencedores e perdedores.” Michael Sandel

“Uma pandemia”, prossegue Sandel, “salienta nossa dependência mútua e exige um alto nível de solidariedade social. Mas essas profundas divisões nos tornaram incapazes de apresentar o tipo de solidariedade que teria sido necessária para enfrentar a pandemia de maneira eficaz”.

“No princípio se repetia o bordão de ‘estamos juntos nesta’. Mas não era bem assim. À medida que o vírus avançava, ia ficando cada vez mais claro que aqueles que exerciam as tarefas mais pesadas é que sofriam mais perdas de vidas, eram aqueles que tinham sido deixados para trás na prosperidade das últimas quatro décadas”, finaliza o professor.

Meritocracia e trabalho digno

A meritocracia é um paradigma largamente usado nas sociedades de todo o mundo, fomentando o individualismo e a competitividade. Segundo o professor Sidney Chalhoub, historiador da Universidade de Harvard: “A meritocracia é um mito. Ela só faria sentido se a sociedade promovesse igualdade de oportunidades educacionais, econômicas e sociais. Não sendo esse o caso, é um jogo de cartas marcadas. Ganha quem larga na frente: os que estudaram em boas escolas e tiveram recursos para acessar livros e bens culturais.”

As discrepâncias salariais são exorbitantes. Um CEO (chief executive office) de empresas no Brasil chega a ganhar dezenas de milhões de reais por ano. Por outro lado, um professor do Ensino Básico público tem um salário anual abaixo de R$ 60 mil.

Reconhecer todos os tipos de trabalho como importantes é uma ideia fundamental para promover a valorização de diversas atividades e contribuições que sustentam nossa sociedade de maneira abrangente. Muitas vezes algumas profissões ou funções podem ser subestimadas ou ignoradas, apesar de seu impacto significativo.

Isso pode ocorrer devido a preconceitos sociais, estereótipos ou falta de compreensão sobre a natureza e o valor do trabalho em questão. Nossa sociedade é interdependente, e cada função está conectada de alguma forma. Um trabalho não pode ser valorizado em detrimento de outro, pois todos desempenham um papel na teia complexa que mantém as coisas funcionando.

Qualquer tipo de trabalho, que colabore com a igualdade social e com o bem-estar de todos, deve ser valorizado. O trabalho e o princípio da dignidade da pessoa humana estão ligados um para com outro, de forma que o primeiro é atribuído como um meio para surtir efeitos de valor digno na vida do indivíduo; já o segundo é atribuído como sendo o próprio valor.

Oxalá que nas sociedades do futuro todo o trabalho seja adequadamente reconhecido e onde todos os trabalhadores possam ter uma vida digna. Nesse contexto, é pertinente lembrar de alguns pensamentos:

1 – Albert Einstein: “Um milhão de vezes por dia eu procuro lembrar-me que minha vida está baseada no trabalho de outros homens, e que eu devo esforçar-me para ser capaz de dar na mesma medida que recebi e ainda estou recebendo.”
2 – Edgar Morin: “Um trabalho tem sentido para uma pessoa quando ela o acha importante, útil e legítimo.”

(*) Isaac Roitman é doutor em Microbiologia, professor emérito da Universidade de Brasília.

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