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Um histórico de lutas por dignidade

Nelson Fernando Inocêncio da Silva (*) | 22/04/2023 13:30

Discorrer sobre o movimento docente na Universidade de Brasília exige um entendimento da luta histórica por melhores condições de trabalho. Devemos olhar para as gerações que nos antecederam e que nas condições mais adversas possíveis ousaram levantar a voz em prol do reconhecimento do nosso ofício, por uma sociedade mais justa em que pese o acesso à educação de qualidade em todos os níveis.  A ADunB surge do inconformismo e da disposição de enfrentar a ditadura civil-militar que mergulhou o país em um grande pesadelo cuja longevidade se estendeu por 21 anos. Em 1978, no momento em que foi criada, não tínhamos adquirido o direito à sindicalização. Apesar das limitações legais que nos foram impostas, nossos fundadores se recusaram a retroceder, como destaca o professor Sadi dal Rosso, um dos protagonistas que se encontrava na linha de frente do processo.

Somente na década de 1980, como resultado das pressões, fruto das mobilizações conduzidas pelo movimento sindical, foi concedida à categoria docente, conforme a legislação, a oportunidade de organização enquanto classe, a fim de fortalecer e dar sustentação às demandas trabalhistas da categoria. Esta vitória veio após os sérios abalos, a exemplo das ocupações do campus da UnB pela repressão, primeiro em 1968 e posteriormente em 1977, sem esquecer as demissões arbitrárias de tantas e tantos colegas. O cenário político continuava a inspirar cuidados, embora fosse possível identificar aqui e ali sinais de esgotamento do regime de exceção. No curso do esmorecimento das forças reacionárias, veio a chamada distensão que precede a abertura. Como consequência tivemos uma anistia ampla, geral e irrestrita. Aquele era o arranjo possível. Todavia, tal encaminhamento gerou uma condição confortável no que se refere aos responsáveis pelo surgimento e manutenção do terrorismo de Estado.

No contexto das universidades públicas os ambientes continuavam intoxicados pelo ranço autoritário. O movimento sindical docente na UnB teve que desenvolver estratégias para lidar situações insólitas, a exemplo das nítidas dificuldades de negociação com José Carlos Azevedo, capitão de mar e guerra, que se manteve por cerca 14 anos no cargo de reitor da instituição, obviamente à serviço dos interesses militares. Sua gestão infindável tinha como propósito o controle da produção do conhecimento. Algo possível somente na estreita visão dos ditadores. Lembro-me, na condição de aluno de graduação nos idos de 1980, da imposição de obrigatoriedade de conteúdos específicos em determinadas disciplinas de serviço, tais como Estudos dos Problemas Brasileiros I e II, ofertadas com o intuito de doutrinar a classe de estudantes no tocante à interpretação oficial dos grandes temas nacionais. Sob a vigilância constante dos olhares superciliosos de nossos algozes resistimos, isto é fato, falemos da perspectiva do movimento estudantil, do movimento técnico-administrativo ou do movimento docente.

Hoje, aproveitando o ensejo em que a Universidade de Brasília celebra seus 61 anos e a ADunB seus 45 anos, nunca é demais ressaltar o quão relevante tem sido os serviços prestados por nosso sindicato à causa docente. Somos uma das maiores seções sindicais do país que, agregada às demais constituem o sindicato nacional, Andes – SN. Ao longo de nossa existência foi possível constatar a complexidade do movimento docente, composto por tendências que, em certas circunstâncias, desaguam em divergências e até em antagonismos. Somos assim, cientes de que a valorização e permanência dos princípios democráticos requerem a compreensão de momentos, às vezes, indigestos.

Por falar em democracia, nada mais oportuno do que reiterarmos a necessidade indiscutível, a meu ver, de fazermos a defesa do movimento sindical docente como uma referência no histórico enfrentamento de classes. O aprendizado dos últimos anos, marcados pela emergência de um governo de inspiração autocrática e de sua base composta por movimentos sociais ultraconservadores, os quais refutam a ciência e, por extensão, a importância do conhecimento científico produzido pelas universidades, serve de alerta. Nessa hora lembremos que as reivindicações sindicais por melhores salários não estão dissociadas das pautas por respeito e reconhecimento do trabalho docente. Trata-se de uma construção contínua. Parafraseando Bertold Brecht, diria sem receio, que o movimento sindical, por lutar sempre, torna-se imprescindível.

(*) Nelson Fernando Inocêncio da Silva é professor do Departamento de Artes Visuais da Universidade de Brasília e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab/Ceam/UnB).

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