Ao Mestre Jair Damasceno, com carinho
Eu sou deísta, não creio em quase nada.
Quase nada...
Aconteceu na segunda feira, indo para casa, dirigindo na avenida movimentada de seis da tarde. De repente, entramos num assunto que acabou na memória do Jair Damasceno. A Graziela lembrou que ele tinha criado uma encenação para apresentar no lançamento do meu livro A Bruxa da Sapolândia, em 2017, na Estação Cultural.
Prosseguimos a conversa e me lembrei que na época, perguntei para o Jair qual seria o custo da apresentação, ao que ele me respondeu: "Não se preocupe com isso, será um presente de um artista para outro artista". E se fez sério ao comentar: "Leio tudo o que você escreve e gosto muito.".
Nesse tempo todo que escrevo, esse foi um dos maiores elogios que já recebi. Fiquei realmente emocionado.
E como vai ser? Perguntei. Ele sorriu: É surpresa, você verá na hora.
Acabou que naquela noite, o Grupo Casa se apresentou primeiro e logo que terminou, caiu uma tempestade medonha, muito vento, raios e trovões. O Jair se aproximou de mim e disse: "Vamos fazer outra hora, com essa chuva não vai dar". Fiquei chateado, queria muito ver o que ele tinha imaginado, mas realmente a tempestade foi medonha.
Dessas coisas que a vida separa sem avisar, fomos adiando essa apresentação, veio a Pandemia e o Jair adoeceu, até nos deixar, uma morte surpreendente e dolorida para nós que ficamos.
Voltando à conversa no carro, reclamei com a Grazi que nunca mais saberia o que o amigo genial idealizou para aquela noite.
Quando se trata de um artista tão querido como o Jair, "nunca mais" é algo que não existe.
Essa nossa conversa no carro se deu na segunda feira. Para minha total surpresa, na terça feira à noite, assim, do nada, o Felipe Guedes, que trabalhava com o Jair, entrou em contato comigo: tinha encontrado nas suas coisas a filmagem do ensaio da encenação que o grande artista criou para mim.
Fiquei muito impressionado. As imagens são de uma beleza singular. A atriz Angela desenvolve expressões artísticas através dos movimentos corporais ao comando do mestre Jair. Dá para ouvir a voz dele nas marcações, ver as suas mãos, sentir a emoção que dele sempre emanou.
A Grazi é espírita, falou da ligação inquebrantável entre almas que se admiram, terminando por frisar que espíritos evoluídos como o Jair, conseguem se manifestar entre nós.
E eu, que em quase nada creio, dessa vez só posso imaginar que o querido amigo, no lugar bonito no qual ele agora deve morar, ouviu a minha queixa e deu um jeito de assoprar nos ouvidos do Felipe Guedes: "mostre para ele"...
E agora, enquanto escrevo, ouço um sussurro dizendo: "ninguém morre, o outro lado existe".
E mesmo que eu seja o turrão que em quase nada crê, consigo dizer nesse momento, enquanto a emoção me consome:
Jair Damasceno é eterno.
Obrigado, Mestre.
André Alvez
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