"A soja tá falando mais alto", reclama indígena ao STF contra marco temporal
Indígenas, ruralistas, advogados e políticos foram chamados para debater marco temporal
Em uma intervenção contundente, uma das lideranças indígenas participantes do debate que o STF (Supremo Tribunal Federal) promove sobre o marco temporal para demarcação, denunciou a fragilidade como ficam os povos indígenas nas disputas por áreas. “A soja tá falando mais alto”, disparou Alberto Terena, questionando a demora do Poder Público em solucionar a questão. A Corte criou uma comissão e convidou para apresentar propostas uma vez que há várias ações constitucionais sobre o marco temporal, já com cinco votos contrários à sua aplicação e dois favoráveis.
O indígena questionou a viabilidade do debate, uma vez que a Constituição Federal prevê a demarcação de terras. Terena estava junto com advogados da APIB (Articulação dos Povos Indígenas), que defendem que a Lei do Marco Temporal (Lei 14.701/2023) deve ser suspensa para permitir um debate mais equânime sobre o tema. A advogada Eloísa Machado sustentou que um dos lados do conflito por terras, os indígenas, estão em constante ameaça.
Alberto Terena também disse que era preciso afastar a lei, para evitar mortes. Ele descreveu situações de violência e questionou a possibilidade de transação de direitos por órgãos indigenistas. Alberto disse que se lembrava de filmes americanos que via na adolescência, onde indígenas acabavam mortos na colonização e temia ser este o destino ainda hoje.
“Não há palavras bonitas para enfeitar a legalidade do crime”, disse. Preocupada que seja preciso negociar o direito dos povos às terras, a APIB chegou a cogitar a possibilidade de não prosseguir na comissão, que envolve vários setores. O governador de Mato Grosso do Sul é um dos integrantes, representando os estados. Ele acabou por sair durante a reunião, mencionando que precisava voltar ao Estado e receber a ministra Sônia Guajajara, que virá a MS nesta terça-feira para visitar a região de Douradina, onde há conflito por terras, com indígenas feridos no final de semana.
Riedel pediu às lideranças que se mantivessem no grupo de trabalho, que ali o objetivo não era concordar, mas expor propostas em busca de “ações concretas”. “Existe, sim, um caminho de busca de negociação”, argumentou.
O governador ainda mencionou acordo recente que resultou na saída de 12 famílias de área reconhecida como indígena em Caarapó para cultivar em outra região, com o Estado auxiliando com infraestrutura. “Reputo da maior importância estarem presentes”, destacou.
Lideranças ruralistas do Estado também foram ao debate no STF. O presidente da Famasul (Federação da Agricultura e da Pecuária de Mato Grosso do Sul), Marcelo Bertoni, informou que esperava que as invasões de áreas fossem discutidas, para que cessassem. Segundo ele, é preciso tranquilidade no campo para a qualidade do debate.
A composição foi proposta pelo ministro Gilmar Mendes, que é relator de várias ações. O juiz federal Diego Veras, que conduz o evento, informou que é o tema mais importante do gabinete do ministro e a tentativa de recolher sugestões para serem levadas ao plenário poderia resultar em uma situação com mais harmonia, dada a “aridez” do tema. Chegou a citar outros temas que vieram com debates entre os envolvidos e a composição, como a redução do ICMS dos combustíveis em 2022, que criou atritos entre a União e Estados.
A Constituição Federal prevê o reconhecimento de terras indígenas e não faz qualquer menção a indenizações. O tema sempre foi debatido, sem nunca ter avançado. No ano passado, ao votar a Lei do Marco Temporal, o Congresso previu que somente seriam reconhecidas terras já ocupadas ou reivindicadas por indígenas. Um dos propósitos da discussão é propor a abordagem sobre eventual indenização.