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Cidades

Contracheque de até R$ 89 mil evidencia pagamento ilegal pelo TJMS

Servidor recebeu pelo período de descanso não gozado, mas legislação não permite esse tipo de benefício

Marta Ferreira | 13/01/2020 19:35
Holerite do funcionário do TJMS. (Foto: Reprodução)
Holerite do funcionário do TJMS. (Foto: Reprodução)

Nos dias 24 e 25 de outubro de 2019, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) fez inspeção no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) e, entre as denúncias recebidas, houve pedido de servidores para investigação do pagamento irregular de indenização por férias não gozadas, a popular venda, a funcionários públicos "escolhidos a dedo". Na época, não havia provas documentais. Agora, estão circulando em grupos de funcionários do Judiciário estadual contracheques que comprovariam essa prática, um de agosto de 2018 e o outro de junho de 2017. O valor bruto de um deles passa dos R$ 89 mil.

Os documentos se referem a funcionário com alto cargo no Tribunal. Consultado pela reportagem, o TJMS confirmou a situação e usou o termo “venda de férias” para dizer que o pagamento tem base legal. Mas conforme levantado pelo Campo Grande News a lei usada para respaldar a concessão do benefício ao servidor sequer cita essa possibilidade. Funcionários que procuragam a reportagem afirmam haver outros casos e por isso cobram investigação pelo CNJ.

Os holerites tornados públicos dizem respeito ao pagamento do mês de maio de 2017 e de julho de 2018 do servidor Marcelo Vendas Righeti, diretor-geral de Secretaria do TJ, cargo responsável por exemplo pela nomeação de servidores concursados. É a mais alta função na estrutura administrativa do TJMS. Nos dois holerites que vazaram, há pagamento de indenização do tipo. A consulta ao portal da Transparência da Corte também confirma os valores envolvidos.

Tribunal de Justiça, em resposta ao Campo Grande News,  alegou que funcionário "vendeu férias" por extrema necessidade do serviço. (Foto: Arquivo)
Tribunal de Justiça, em resposta ao Campo Grande News, alegou que funcionário "vendeu férias" por extrema necessidade do serviço. (Foto: Arquivo)

Números- No primeiro contracheque, cujo valor bruto é de R$ 89,376,99, aparecem dois valores de R$ 7,8 mil a título de 1/3 de férias, dois montantes de R$ 23,520,26 e ainda o valor de R$ 3.136,03, com a rubrica “indeniz. férias lei 2531/02”. Com esse benefício, Righetti tem o salário multiplicado em 17 vezes, considerando o vencimento efetivo, de R$ 5.036,63, para o cargo de analista judiciário.

O valor líquido, com descontos como Previdência, cai para pouco mais de R$ 75 mil. Mais de R$ 57 mil são referentes ao ressarcimento pelas férias não aproveitadas. Além desse pagamento e do abono de um terço sobre o montante, Righeti teve direito à verba de representação de gabinete, de R$ 16,4 mil em maio de 2017.

No recibo de agosto de 2018, a quantia é mais baixa. Ainda assim atinge R$ 60,188, 94, bem mais que o teto do funcionalismo público, definido pelo salário dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), à época em R$ 33 mil e hoje de R$ 39 mil.

Dos R$ 60 mil, R$ 8.596,42 são relativos a um terço sobre as férias e R$ 25.795,26 estão na conta “indeniz. férias lei 2531/02”. Neste mês, o valor líquido foi de R$ 42, mil, sete vez o valor do salário efetivo, então em R$ 5,8 mil.

A lei citada pelo tribunal para fazer o pagamento é de 2002 e foi editada para mudar duas legislações anteriores, de 1994 e de 1998. Em nenhum momento, o texto prevê pagamento por venda do período de descanso do servidor. Existe regulamentação nesse sentido no Código de Divisão Judiciária, mas só se refere a magistrados, que podem ser indenizados em caso de não usufruírem as férias.

O que diz a legislação - Na medida legal expressa nos contracheques divulgados está definida a previsão de pagamento de indenização por férias apenas no caso de exoneração. Conforme o parágrafo 2º do artigo 154 da lei, “o servidor ou empregado público fará jus à indenização relativa ao período das férias a que tiver direito e ao incompleto, na proporção de um doze avos por mês de efetivo exercício, ou fração superior a quatorze dias, calculada com base na remuneração ou com base na remuneração ou no subsídio do mês em que for publicado o ato de exoneração e paga juntamente com as verbas rescisórias, independentemente de requerimento”.

O Campo Grande News procurou o Tribunal de Justiça e a resposta dada foi de que o “pagamento é regular”. Conforme escrito no e-mail recebido reportagem, “a venda das férias decorreu da extrema necessidade do serviço, impedindo o servidor de usufruir o direito”.

O Sindijus (Sindicato de Servidores do Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul) também foi consultado. A assessoria de imprensa informou apenas que está sendo apurada a divulgação do holerite. Sobre a legalidade ou não do pagamento, não houve comentário.

Via assessoria de imprensa, o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, declarou que  "todas as denúncias feitas por servidores e pela população durante a inspeção no TJMS estão sendo apuradas nos pedidos de providências e serão decididas, caso a caso, com os resultados publicados e divulgados".

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