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Cidades

Entrando por MS, bolivianos tentam escapar da miséria e caem na escravidão

Trajeto mais conhecido passa pela “Ruta 4”, via que corta a Bolívia, e que conduz até Corumbá

Aline dos Santos | 13/09/2023 09:10
Ônibus com bolivianos ilegais é abordado em Campo Grande, a caminho de SP. (Foto: Paulo Francis)
Ônibus com bolivianos ilegais é abordado em Campo Grande, a caminho de SP. (Foto: Paulo Francis)

Mato Grosso do Sul é a porta de entrada para o sonho de uma vida melhor no Brasil, na jornada de bolivianos que tentam escapar da miséria em sua terra natal, mas acabam caindo na escravidão em confecções de São Paulo.

Nessa saga que pode chegar a três mil quilômetros, percorridos em território boliviano e brasileiro, os imigrantes ilegais são contatados pela internet por perfis fakes, investem dinheiro na viagem, acabam esperando por horas em pontos de embarques clandestinos em Corumbá e chegam a São Paulo, o Estado mais rico do País, apenas com a informação de que alguém lhe buscará no desembarque.

De acordo com o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, o padrão mais relevante encontrado quanto aos fluxos internacionais envolve trabalhadores bolivianos que ingressam no Brasil vindos pela chamada “Ruta 4”, rodovia de 1.657 km de extensão. Assim, eles chegam às proximidades de Puerto Quijarro, no limite com o Brasil, próximo de Corumbá, onde se inicia a BR-262.

Ainda conforme o levantamento, os municípios mais comumente utilizados para a entrada dessas pessoas são Corumbá (20%) e Epitaciolândia, no Acre (10%).

De volta à fronteira da Bolívia com MS, a maneira correta de ingressar no Brasil é passando pelo Posto de Migração Terrestre. Mas, os caminhos da ilegalidade movem uma engrenagem paralela. Cujo roteiro mais comum é ser abordado por taxista em Puerto Quijarro, que usa rotas alternativas para chegar a Mato Grosso do Sul.

De acordo com a delegada Vivian Maria Moreira Giordano, da PF (Polícia Federal) de Corumbá, a atuação contra a imigração ilegal é tanto repressiva, com operações contra os envolvidos, quanto preventiva, com identificação de casos suspeitos no posto de entrada e saída de imigrantes.

“Recebemos várias denúncias e agimos para verificar as situações. O flagrante ocorre tanto na área urbana quanto na rodovia 262, com ônibus a caminho de Campo Grande”, afirma a delegada.

A viagem para São Paulo custa, em média, R$ 400 e as pessoas ficam no local de embarque até preencher uma cota de 40 a 45 passageiros.

Com imóveis ficando conhecidos na área urbana por ser ponto de embarque irregular, os grupos têm migrado para a zona rural, com aluguel de chácaras. A engrenagem para trazer bolivianos ao Brasil conta com pessoas das duas nacionalidades. Como taxistas bolivianos do lado de lá da fronteira e motoristas brasileiros na condução dos ônibus de empresas clandestinas.

Os veículos acabam se tornando um “combo de crimes” sobre rodas. Porque por eles também circulam contrabando e drogas, além da falta de licença dos ônibus para viajar pelo País.

A gente observa que muitas vezes, logo na chegada, na rodoviária de Puerto Quijarro, os taxistas já vão angariando esses passageiros para transporte aos locais de embarque, passando por vias clandestinas para burlar o controle migratório.  Alguns, dependendo da abordagem, têm grau de instrução um pouco mais baixo e não entendem que é uma situação completamente irregular. Outros não podem passar pelo controle migratório. Seja porque, anteriormente, já ficaram em situação irregular no Brasil e sabem que podem ser impedidos de entrar”, diz a delegada.

Quando há flagrantes, os estrangeiros também respondem à Justiça brasileira por promoção de imigração ilegal.

Deflagrada pela PF, a operação Caronte teve como alvos um policial federal, um servidor administrativo, um contratado da Polícia Federal e uma “empresa de turismo”. Os pacotes eram vendidos aos estrangeiros que desejavam entrar no Brasil cobrando, além do transporte até São Paulo, taxas para não precisar passar pela fiscalização imigratória.

A organização desviava documentos de imigração, conhecidos como tarjetas, e vendia por meio de pacotes nas empresas de turismo. Depois de vendidos, os documentos eram inseridos nos sistemas de controle, sem fiscalização.

Como em toda atividade criminosa, a cada medida de repressão, surgem alternativas para escapar de flagrante. Em geral, o contato é pela internet, com perfil fake para dificultar a identificação. Sobre quem vai receber o grupo em São Paulo, mais mistérios, porque a informação para os viajantes é curta: uma pessoa vai esperar no desembarque. Ou seja, o trabalhador embarca na viagem sem saber um nome ou o endereço de onde vai trabalhar, tudo com a promessa de receber um salário em São Paulo.

Para quem convive com a miséria, uma oferta de emprego soa sedutora e faz até mesmo com que a pessoa não se sinta vítima, apesar das condições degradantes de trabalho. “É uma situação tão precária, mulheres com filhos pequenos. Veem o trabalho de costureira como oportunidade de crescimento. Não entendem que estão sendo submetido a situações degradantes”, diz a delegada.

Oficina de costura em Americana (São Paulo), onde trabalhadores bolivianos foram resgatados. (Foto: MPT/SP)
Oficina de costura em Americana (São Paulo), onde trabalhadores bolivianos foram resgatados. (Foto: MPT/SP)

Das 7h às 22h30 - Já em terras paulistas, o MPT (Ministério Público do Trabalho) de São Paulo mostra a dura condição dos trabalhadores  bolivianos numa confecção em Americana. Na oficina de costura, foi constatado alto grau de insalubridade, devido ao calor excessivo, falta de ventilação e de conforto térmico.

Outro problema comum era a precariedade das instalações elétricas, com fiação exposta próxima às pilhas de tecido, gerando riscos de incêndio, além de ausência de ergonomia no mobiliário de trabalho e falta de higiene e conforto nos ambientes laborais.

Em depoimento ao MPT, uma das trabalhadoras afirmou que trabalhava das 7h às 22h30, e que parava apenas quando “o corpo não aguentava mais”, configurando jornada exaustiva.

Os quatro costureiros trabalhavam de maneira informal, sem registro em carteira de trabalho e sem direito a férias, 13º salário ou qualquer benefício trabalhista ou previdenciário. Segundo apurado, a empresa contratante dos serviços de costura pagaria pelas peças apenas no momento da entrega.

Cozinha dos trabalhadores bolivianso em oficia de costura em São Paulo. (Foto: MPT/SP)
Cozinha dos trabalhadores bolivianso em oficia de costura em São Paulo. (Foto: MPT/SP)

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