Internados por outras doenças, pacientes pegaram covid em hospital
Médicos explicam que em qualquer lugar onde haja aglomeração pode haver contaminação pelo coronavírus, incluindo hospital e posto
As homenagens que as redes sociais compartilharam da assistente social Roberluce Oliveira Braga contam um pouco da trajetória dela nos Direitos Humanos. Aos 61 anos, Roberluce morreu depois de contrair covid-19 dentro do hospital. Ela é uma das personagens que tem a história narrada por familiares nesta reportagem, porque não resistiu. O pontapé de uma sequência de internações, dor e angústia começou com uma embolia pulmonar no final de novembro.
Quem fala da mãe é a professora Yasmine Theodoro, de 30 anos.
"É muito doloroso perder um familiar nesse momento e todo o processo que envolve isso. Durante os 25 dias de internação, não sei ainda descrever direito, acho que não consegui elaborar. Mesmo com esperança e a fé que a gente tinha, havia vários outros sentimentos desde a entrada dela no hospital: apreensão, angústia, ansiedade, medo cotidiano do contágio. Foi possível perceber também durantes as visitas no CTI a equipe de profissionais de saúde bastante sobrecarregados", diz.
Roberluce tinha comorbidades, já havia enfrentando um câncer, feito mastectomia completa e tinha uma válvula mitral mecânica. Por conta do uso, tomava anticoagulante e precisava realizar todos os meses um exame que calculava o tempo da coagulação sanguínea.
O exame foi realizado no dia 26 de novembro, na manhã seguinte, antes mesmo de chegar na consulta médica, começou a passar mal. O esposo a levou até uma UPA que depois do atendimento inicial, diagnosticaram embolia pulmonar e derrame pleural e a mandaram para o Hospital Regional.
Na entrada do hospital, a assistente social passou pelos testes rápido e PCR que deram negativo para a covid-19. No Regional, a mãe ficou até o dia 3 de dezembro sem receber visitas, já que o hospital não liberava em razão da pandemia. "Ela ficou na ala vermelha, da covid, depois transferiram ela pra ala amarela, para aí transferirem para a unidade coronariana", descreve a filha.
Na semana da transferência de hospital, a família teve a informação de que o derrame pleural tinha virado uma pneumonia. "Na quarta-feira, dia 3, transferiram ela para o Hospital do Pênfigo, onde fui encontrá-la e dar entrada dela no hospital. Quando cheguei lá, me liberaram pra visita. É tudo muito ruim, muito desagradável, a saúde está um caos", lembra a filha.
No Pênfigo, ela seguiu usando uma medicação para controlar a pressão sanguínea, até que no dia 12, depois de fazer novamente os exames para testar a covid, o resultado veio positivo. A família que até então visitava Roberluce todos os dias nem pode se despedir. "No dia 12, os médicos fizeram novamente os exames que atestaram positivo para a covid-19. "Aí transferiram ela para o leito da covid e a gente não a viu mais. Ela ficou lá até falecer no dia 19, um dia depois do meu aniversário. Ela teve uma falência renal, foi necessário fazer hemodiálise, ela fez e teve uma parada cardíaca. Só que no caos que a saúde está, até a certidão de óbito vem muito confusa e nem dá explicações", afirma Yasmine.

Uma UPA, quatro hospitais - Foi a diabetes descontrolada que levou dona Vera Lúcia Rodrigues dos Santos Gonçalves à UPA. No início de agosto, ela teve convulsões no posto de saúde depois da glicemia chegar a 500. De lá, foi transferida para o Hospital do Câncer, onde teve pneumonia, para ainda ser levada até o Hospital São Julião.
"A pneumonia a deixou com sequelas e uma tosse seca que pensaram que fosse covid, aí intubaram ela e mandaram para o Regional", conta a irmã Patricia Rodrigues Damian, de 56 anos. "No Regional, ela ficou na UTI dos covid e de lá transferiram ela pro El Kadri", completa.
A família acredita que dona Vera tenha contraído covid entre as transferências e por ter passado por UTI's onde estavam pacientes com covid. "Ela internou dia 6 de agosto, com diabetes alta, pegou o vírus e faleceu dia 24 de outubro. Ontem teria sido o aniversário dela", lamenta a irmã.
A virada de ano costumava ser junto da comemoração de aniversário de Vera, que ontem teria feito 68 anos. "Por acharem que fosse covid, pela tosse seca, ela perdeu a vida. Ela era tão alegre, gostava de viver, mesmo triste ela sorria e brincava com todos", recorda Patrícia.
O que mais dói na família é que Vera deu entrada na unidade de saúde para tratar a diabetes e saiu no caixão, sem nem ao menos haver despedida. "Não deixa a família ver paciente. É lamentável ela ter ficado incomunicável com os entes queridos e depois ser envelopada, sepultada sem qualquer contato com as pessoas que a amavam", desabafa.
Contaminação - Não é possível afirmar se de fato a pessoa contraiu a covid-19 em um ambiente de saúde, por isso os hospitais restringem visitas e até acompanhantes. "No caso da covid-19 fica mais difícil dizer que foi uma contaminação em tal lugar, não tem como confirmar que foi contraída no hospital ou por causa do hospital, diferente de uma infecção hospitalar", explica a médica infectologista Carolina Neder.
Médico infectologista da Fiocruz, Rivaldo Venâncio fala que qualquer lugar que tenha o maior número de pessoas é possível que haja a contaminação de algum vírus respiratório se entre aquelas pessoas que estão, sejam profissionais da saúde ou não, alguém estiver infectado.

"Uma unidade de pronto atendimento, dependendo do movimento do plantão, tem aglomeração e mesmo sabendo dos cuidados, de se manter a distância dentro das unidades, não é incomum que as pessoas que vão por um motivo acabem se infectando", diz Rivaldo.
Da dengue para a covid - O técnico em informática e motorista de aplicativo Éliton Norberto Viana da Silva, de 39 anos, acredita que se infectou com coronavírus depois de ir sucessivamente à unidade de saúde para tratar da dengue. Felizmente, neste caso, ele resistiu aos 19 dias de CTI e está aqui para dar o próprio depoimento.
"Primeiramente peguei dengue, tinha que ir no posto para ver as plaquetas. Nessa ida e volta, acabei contaminando com a covid, o que agravou a minha situação é que pra ajudar eu tenho a tal da diabetes", relembra.
A dengue começou a se manifestar no dia 1º de agosto e Éliton passou a acompanhar em dois postos de saúde. Na Upa da Vila Carvalho, recebeu o primeiro atendimento e seguia para o Vila Almeida para fazer os exames e trazer de volta para a médica.
"Olha, tinha tanta gente na UPA, era isolado as pessoas que estavam com sintomas ficavam num cercadinho e aguardavam médico lá, tinha distanciamento, mas o local era o mesmo", explica.
Uma semana em casa lidando com os sintomas da dengue, começaram a covid. "Eu tomava soro, vinha melhorando da dengue, mas ao mesmo tempo piorando. Aí fui fazer o teste para covid e deu positivo. Levei para médica e na hora mediram saturação no posto e já me internaram no Regional, de lá fui transferido para o Proncor", relata.
Foram 19 dias de CTI até Éliton se recuperar. "Eu falo pro pessoal do Uber, só vai no hospital em último caso, porque a pessoa vai com uma pessoa e pega outras", acredita.
A alta aconteceu no dia 26 de agosto. Da dengue, ele conta não sentir mais nada, no entanto, a covid deixou sintomas que até hoje lhe cobram.
"Se eu faço muito esforço de alguma forma, eu sinto. Fiquei melhor cinco dias após sair do hospital, porque lá fiquei muito perturbado com as coisas que via, ouvia e com muito medo de morrer. É triste e muitos ainda não se cuidam", deixa a lição.
Em tempo, Éliton agradece aos profissionais de saúde e aos familiares e amigos por todas as orações feitas pela sua recuperação.