Juiz acusa presidente do TRT de afastá-lo para favorecer gigante frigorífico
Márcio Alexandre fez representação no CNJ contra presidente do TRT, João Balsanelli, por susposta perseguição
Representação feita ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) coloca em dúvida a atuação do presidente e corregedor do Tribunal Regional do Trabalho e Mato Grosso do Sul (TRT24), o desembargador João Marcelo Balsanelli, em ação que afastou o juiz do Trabalho Márcio Alexandre da Silva, titular da 2º Vara do Trabalho de Dourados.
Existem acusações, ilações e suspeitas de ambos os lados. Apesar do processo disciplinar ser recente, ele usa como base os processos de 2019 para cá. São inúmeras versões. Um quebra-cabeça que envolve a conduta profissional de juízes, advogados, técnicos e até o setor privado.
Conforme denúncia do magistrado, o presidente do TRT24 estaria atuando de maneira abusiva, ilegal, usando o cargo para fazer nomeações que favorecem uma gigante multinacional no segmento frigorífico, causando prejuízos financeiros ao Tribunal, aos trabalhadores, além de possivelmente estar falsificando documentos e até simulando correções, tudo para tirar Márcio de dois processos que correm na 2ª Vara de Dourados.
Márcio está afastado desde o dia 11 de abril de 2024. Ele responde a três PADs (Processo Administrativo Disciplinar) e uma sindicância, estágio anterior ao PAD. São dois processos em Três Lagoas, um em Fátima do Sul e um em Dourados.
Os PADs e a sindicância, cujo João Marcelo Balsanelli também é relator, giram em torno das mesmas suspeitas, o favorecimento ao perito contábil Juliano Belei, que teria pagamentos de honorários periciais superfaturados, somando valores pagos de mais de R$ 3 milhões.
O afastamento deve continuar até o fim do julgamento dos processos pela Corregedoria do TRT24 e pode resultar, no caso da punição mais grave, em aposentadoria compulsória, que segundo Márcio Alexandre é a única forma de tirá-lo dos processos contra a empresa frigorífica, já que é o juiz natural da causa.
Processos questionados - Conforme a defesa do juiz Márcio Alexandre narra na representação junto ao CNJ, os questionamentos à sua atuação teriam começado quando a empresa frigorífica, unidade de Dourados, se mostrou descontente com a condução de três mil processos envolvendo a execução de direitos não cumpridos de mais de três mil trabalhadores, as quais, somadas, têm o valor estimado que pode superar os R$ 100 milhões.
As denúncias de Márcio são divididas, basicamente, em três frentes. O primeiro ponto é em relação ao mérito da denúncia propriamente dita, no caso, o suposto favorecimento a Juliano Belei. O segundo é em relação a eventual desrespeito de Balsanelli ao devido processo legal.
O presidente do TRT24 estaria cometendo diversas arbitrariedades a fim de acelerar o processo e manchar a imagem de Márcio. O terceiro ponto coloca em xeque a idoneidade da relação entre Balsanelli e a empresa executada de Dourados, como se o presidente estivesse favorecendo-a por interesses escusos.
Mérito – Conforme Márcio, o que foi negociado com Juliano Belei tem valor até mais baixo do que o perito pedia. O trabalho que ele iria desempenhar seria o de calcular quanto cada trabalhador tinha direito e o valor pago seria em cima de cada cálculo. Ou seja, três mil trabalhadores, três mil cálculos. O valor acordado foi de R$ 400 por cálculo, o que dá R$ 1,2 milhão.
Para começar o trabalho, determinou-se o adiantamento de metade, os R$ 600 mil questionados pela Corregedoria. Conforme documento do CNJ, na ocasião da nomeação de Belei ninguém se manifestou. O perito está afastado e impedido de atuar na Justiça do Trabalho. Parte do valor recebido está congelado.
Outro ponto colocado no voto do relator para abertura de PAD é uma suposta relação familiar de Juliano Belei com Márcio. O perito teria trabalhado por dez anos na empresa do sogro do juiz.
Segundo a defesa de Belei, a acusação não leva em conta que Juliano era office boy nos anos 2000 e mal tinha relação com o sogro de Márcio, impossibilitando qualquer tipo de laço mais próximo
Desrespeito ao rito processual – Como exemplo de suposta falta de apresso às regras, por parte de Balsanelli, estaria a “correição extraordinária” do dia 25 de março deste ano na secretaria da 2ª Vara do Trabalho.
O presidente teria permanecido no local pelo período de 1h10, não tendo vistoriado os processos, documentos ou computadores, nem colhido depoimentos dos servidores presentes ou de quaisquer outras pessoas. No dia da correição, Márcio estava na cidade de Itaquiraí a pedido do próprio Basanelli. Na volta, o então juiz titular emitiu uma certidão narrando a presença do presidente do TRT24 na Vara de Dourados, assinada pelo assistente de Secretaria.
“Aproveitando-se deliberadamente dessa ausência, maliciosamente instaurou uma correição extraordinária na 2ª VT de Dourados, justificando o ato pela necessidade de esclarecer supostas irregularidades praticadas pelo Reclamante”, diz trecho da denúncia.
Outro exemplo seria que, em sessão administrativa no dia 6 de junho deste ano, Balsanelli violou seu dever de sigilo funcional, surpreendendo a parte e os advogados com a divulgação da sessão após, supostamente, convidar a mídia local para fazer a cobertura do evento com base em uma interpretação equivocada do artigo 20 da Resolução 135 do CNJ.
Favorecimento - Em outra acusação, de caráter até pessoal, Márcio afirma que João Marcelo Balsanelli teria utilizado de seu cargo de corregedor para “favorecer conglomerado econômico (empresa frigorífica)" que contratou, ou estava em vias de contratar, sua filha.
A informação chegou a ser verbalizada por Márcio a Balsanelli em reunião do dia 14 de março em forma de alerta, já que presidente queria distribuir os processos em duas varas, ou seja, tirar parte do processo de Márcio. O desembargador teria confirmado a possibilidade de contratação, mas negou haver conflito de interesse.
Mudança de juízes - As acusações continuam. Após a retirada do processo das mãos dc Márcio por conta do afastamento, Balsanelli nomeou de forma monocrática outros dois juízes para assumir a tramitação. Outros cinco juízes, que estavam lotados em Dourados e que seriam os sucessores naturais do Márcio Alexandre, também foram preteridos.
Um dos magistrados escolhidos já tinha participado de um processo semelhante ao da execução dos três mil trabalhadores em Dourados, mas optou por não fazer os cálculos e sim por um acordo, ou seja, sem onerar a empresa com o pagamento destes cálculos. No ato de designação, Balsanelli afirmou que o processo merece solução por via conciliatória, por isso um juiz com experiência na solução de litígio por meio de conciliação.
Na prática, segundo tese de Márcio, essa providência aliviou a multinacional do pagamento de honorários periciais, os quais, de acordo com a legislação trabalhista, são de responsabilidade exclusiva da empresa devedora.
"É como se a empresa tivesse servidores pagos pelo TRT24 trabalhando exclusivamente para si, fazendo cálculos judiciais que ela deveria ter que prover o pagamento, e isso mesmo possuindo capital social de bilhões de reais e dezenas de fábricas espalhadas pelo Brasil e pelo mundo", diz trecho da denúncia.
A representação no CNJ foi acolhida pelo Corregedor Nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão. Agora a representação foi direcionada à Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho para a fase de instrução com prazo de 60 dias e depois retorna ao CNJ para julgamento.
O Campo Grande News solicitou uma posição ao presidente do TRT24 referente à denúncia no CNJ. A assessoria da instituição afirmou que ainda não foi notificada da representação, mesmo assim respondeu aos pontos questionados pela reportagem.
Sobre a denúncia de que Balsanelli evitou ao máximo os cálculos para beneficiar a empresa, ele afirma que não houve negociação nem impedimento aos cálculos, mas sim a destituição do perito contábil Juliano Belei, que foi nomeado pelo Juiz Márcio Alexandre da Silva, para investigar suposto crime envolvendo quantias milionárias pagas a ele e que os cálculos estão sendo realizados normalmente por servidores especializados do quadro do Tribunal Regional do Trabalho.
Sobre a correição feita às pressas, o presidente afirmou que a correição extraordinária destina-se à apuração de fatos decorrentes de procedimentos de cunho disciplinar, não havendo qualquer tipo de irregularidade no seu cumprimento. Ainda diz que defesa dele, para sanar qualquer questionamento de legalidade, registrou uma autodenúncia no Ministério Público Federal, solicitando que fosse aberta uma investigação sobre as denúncias apresentadas pelo juiz Márcio Alexandre.
Em relação à denúncia de que a filha do presidente estava em vias de ser contratada como advogada pela empresa executada em Dourados, Balsanelli que a "acusação é completamente falsa". O presidente ainda menciona que fez sua defesa em sessão no Tribunal no dia 7 de julho.
Nesta sessão, Balsanelli despende boa parte do tempo para se defender das acusações de Márcio. Segundo ele, não há de se falar em perseguição se todas as decisões até o momento no colegiado foram unânimes.
Sobre a suposta divulgação para órgãos de imprensa da sessão que decidiu pela continuidade do afastamento de Márcio, o presidente afirma que as sessões de julgamento e a pauta dos processos são públicas, que a imprensa não foi convidada para a sessão, exemplo seria o fato de apenas um veículo ter comparecido no dia 6 de junho de 2024, por já estar monitorando o assunto, sem que houvesse vazamento de informação sigilosa por parte do tribunal.
Quanto à “interpretação equivocada do artigo 20 da Resolução 135 do CNJ”, o Tribunal afirma que é a mesma que o Supremo Tribunal Federal deu ao julgar a constitucionalidade da resolução, e o mesmo procedimento que o Conselho Nacional de Justiça adota em seus julgamentos de abertura de processo administrativo disciplinar.
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