Mães que vivem luto dividem espaço com quem segue com filho nos braços
Nem todos hospitais têm espaços separados; projeto de lei em tramitação na Assembleia tenta mudar situação
Idealizar, esperar e não acontecer é uma sequência que termina intensamente dolorosa no caso de mulheres que perderam seus bebês. Tudo o que passam dali em diante tem um impacto emocional amplificado e interfere na vivência do luto.
Presenciar outras mães interagindo com seus recém-nascidos no mesmo quarto de enfermaria onde precisam ficar internadas até terem alta, é uma dessas situações iniciais que podem afetá-las.
Isso porque é praticamente impossível não reparar o que acontece bem ao lado. "Vi uma mãe amamentando ao meu lado e pedi para a médica me dar alta porque eu não tinha mais cabeça, psicológico, para ver aquilo. Era uma coisa que não puder viver com meu bebê", relembra a recepcionista Suzana Ferreira dos Santos, 45, de Campo Grande.
Ela e o marido, que já são pais de um adolescente de 15 anos, desejavam aumentar a família. O que Suzana relata aconteceu na segunda tentativa de ter filho. Da primeira vez, ela gestou a esperança por 20 dias e sofreu aborto espontâneo.
Rafael - A mãe teve Rafael por 16 dias. Ele nunca chegou a ter alta da UTI (Unidade Terapia Intensiva) neonatal, pois seu estado de saúde era bastante delicado. Foi preciso a equipe realizar uma cesariana de emergência para salvá-los, inclusive.
"Ele foi uma criança muito grande e o mundo era pequeno para ele. Grande não em tamanho, mas na extensão do amor que a família sentia por ele", diz a recepcionista. Essa é a justificativa que ela aprendeu a dar à partida do filho tão amado, para então suportá-la.
Suzana frisa que recebeu todo acolhimento que precisou da equipe do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian, onde recebeu cuidados no setor de enfermaria por quatro dias. Nada faltou.
Mas o ideal seria que a instituição de saúde tivesse estrutura para separar mães que tiveram seus bebês a termo daquelas que os perderam. A mãe não culpa o hospital por reconhecer que a superlotação impossibilita essa distribuição.
Superlotação - Desde o fechamento do Hospital da Mulher do Bairro Moreninhas, a maternidade do Hospital Universitário enfrenta recorrente superlotação. É o que avalia o médico chefe do setor Materno-Infantil e Saúde da Mulher da instituição, Ricardo Gomes. Ele diz, ainda, que outras maternidades da Capital têm lidado com a mesma situação.
Mulheres precisam dar à luz em macas e gestantes e puérperas são acomodadas em macas improvisadas no corredor. As que precisam de atendimento chegam a esperar por horas em cadeiras. O excesso de demanda faz com que muito do básico não possa ser feito.
"Algumas coisas ficam longe do ideal, embora a gente receba bastante elogios", afirma Ricardo. Ele diz que o hospital faz o possível, dentro de sua realidade, para agrupar mulheres que têm que lidar com a perda e separá-las das demais. "Sabemos que a internação é dolorosa. As pacientes criam um vínculo com as crianças, imaginam futuro. A perda é sentida como um luto", atesta.
Realidade diferente vive a Maternidade Cândido Mariano, que presta atendimento exclusivamente no âmbito materno e infantil. A enfermeira-chefe da instituição, Viviane Cardoso, explica que existem quartos reservados às mães que tiveram abortamento ou perda gestacional.
Ainda segundo a enfermeira, todos os demais protocolos são seguidos, como emissão de declaração de óbito e oferta de atendimento psicológico, além de serem adotadas práticas humanizadas como a de oferecer à mulher a oportunidade de segurar o bebê e se despedir dele. "Como estamos em uma maternidade e há quartos vizinhos, é inevitável ouvirem o choro de um outro bebê. Mas tudo o que pode ser feito para não aumentar essa dor, nós fazemos", garante.
Projeto de lei - Uma das duas mulheres parlamentares da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, a deputada Mara Caseiro (PSDB) apresentou em fevereiro o Projeto de Lei nº 16/2023 para garantir direitos às mães que tiveram perda gestacional. Um deles é justamente a de permanecerem no pré e pós-parto em enfermaria separada das demais pacientes.
"Esse projeto surgiu por conta de uma mãe que viveu isso e chegou até nós. Além de sentir a perda de seu filho, ela sentiu o sofrimento de ver uma mãe recebendo a criança e ela não. Dividir o mesmo espaço potencializa essa dor porque ela já está num momento muito frágil", justificou a deputada.
Em uma de suas últimas movimentações, a proposta foi encaminhada para a Comissão de Saúde da Casa de Leis e teve nomeação de relator. Se for aprovada e virar lei, ela obrigará todas as instituições de Mato Grosso do Sul a seguirem essa separação de leitos na maternidade como protocolo, além de adotarem práticas humanizadas relacionadas ao cuidado com essas mães.