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Cidades

Mães que vivem luto dividem espaço com quem segue com filho nos braços

Nem todos hospitais têm espaços separados; projeto de lei em tramitação na Assembleia tenta mudar situação

Cassia Modena | 14/05/2023 08:52
Suzana enfrentou duas perdas e pediu alta hospitalar ao ver outra mãe amamentando (Foto: Marcos Maluf)
Suzana enfrentou duas perdas e pediu alta hospitalar ao ver outra mãe amamentando (Foto: Marcos Maluf)

Idealizar, esperar e não acontecer é uma sequência que termina intensamente dolorosa no caso de mulheres que perderam seus bebês. Tudo o que passam dali em diante tem um impacto emocional amplificado e interfere na vivência do luto.

Presenciar outras mães interagindo com seus recém-nascidos no mesmo quarto de enfermaria onde precisam ficar internadas até terem alta, é uma dessas situações iniciais que podem afetá-las.

Isso porque é praticamente impossível não reparar o que acontece bem ao lado. "Vi uma mãe amamentando ao meu lado e pedi para a médica me dar alta porque eu não tinha mais cabeça, psicológico, para ver aquilo. Era uma coisa que não puder viver com meu bebê", relembra a recepcionista Suzana Ferreira dos Santos, 45, de Campo Grande.

Ela e o marido, que já são pais de um adolescente de 15 anos, desejavam aumentar a família. O que Suzana relata aconteceu na segunda tentativa de ter filho. Da primeira vez, ela gestou a esperança por 20 dias e sofreu aborto espontâneo.

Rafael - A mãe teve Rafael por 16 dias. Ele nunca chegou a ter alta da UTI (Unidade Terapia Intensiva) neonatal, pois seu estado de saúde era bastante delicado. Foi preciso a equipe realizar uma cesariana de emergência para salvá-los, inclusive.

"Ele foi uma criança muito grande e o mundo era pequeno para ele. Grande não em tamanho, mas na extensão do amor que a família sentia por ele", diz a recepcionista. Essa é a justificativa que ela aprendeu a dar à partida do filho tão amado, para então suportá-la.

A recepcionista ressalva que recebeu todo o suporte que precisou do hospital (Foto: Marcos Maluf)
A recepcionista ressalva que recebeu todo o suporte que precisou do hospital (Foto: Marcos Maluf)

Suzana frisa que recebeu todo acolhimento que precisou da equipe do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian, onde recebeu cuidados no setor de enfermaria por quatro dias. Nada faltou.

Mas o ideal seria que a instituição de saúde tivesse estrutura para separar mães que tiveram seus bebês a termo daquelas que os perderam. A mãe não culpa o hospital por reconhecer que a superlotação impossibilita essa distribuição.

Superlotação - Desde o fechamento do Hospital da Mulher do Bairro Moreninhas, a maternidade do Hospital Universitário enfrenta recorrente superlotação. É o que avalia o médico chefe do setor Materno-Infantil e Saúde da Mulher da instituição, Ricardo Gomes. Ele diz, ainda, que outras maternidades da Capital têm lidado com a mesma situação.

Mulheres precisam dar à luz em macas e gestantes e puérperas são acomodadas em macas improvisadas no corredor. As que precisam de atendimento chegam a esperar por horas em cadeiras. O excesso de demanda faz com que muito do básico não possa ser feito.

"Algumas coisas ficam longe do ideal, embora a gente receba bastante elogios", afirma Ricardo. Ele diz que o hospital faz o possível, dentro de sua realidade, para agrupar mulheres que têm que lidar com a perda e separá-las das demais. "Sabemos que a internação é dolorosa. As pacientes criam um vínculo com as crianças, imaginam futuro. A perda é sentida como um luto", atesta.

Realidade diferente vive a Maternidade Cândido Mariano, que presta atendimento exclusivamente no âmbito materno e infantil. A enfermeira-chefe da instituição, Viviane Cardoso, explica que existem quartos reservados às mães que tiveram abortamento ou perda gestacional.

Maternidade Cândido Mariano consegue fazer separação tanto na ala SUS quanto particular (Foto: Arquivo)
Maternidade Cândido Mariano consegue fazer separação tanto na ala SUS quanto particular (Foto: Arquivo)

Ainda segundo a enfermeira, todos os demais protocolos são seguidos, como emissão de declaração de óbito e oferta de atendimento psicológico, além de serem adotadas práticas humanizadas como a de oferecer à mulher a oportunidade de segurar o bebê e se despedir dele. "Como estamos em uma maternidade e há quartos vizinhos, é inevitável ouvirem o choro de um outro bebê. Mas tudo o que pode ser feito para não aumentar essa dor, nós fazemos", garante.

Deputada Mara Caseiro, a autora do Projeto de Lei (Foto: Arquivo)
Deputada Mara Caseiro, a autora do Projeto de Lei (Foto: Arquivo)

Projeto de lei - Uma das duas mulheres parlamentares da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, a deputada Mara Caseiro (PSDB) apresentou em fevereiro o Projeto de Lei nº 16/2023 para garantir direitos às mães que tiveram perda gestacional. Um deles é justamente a de permanecerem no pré e pós-parto em enfermaria separada das demais pacientes.

"Esse projeto surgiu por conta de uma mãe que viveu isso e chegou até nós. Além de sentir a perda de seu filho, ela sentiu o sofrimento de ver uma mãe recebendo a criança e ela não. Dividir o mesmo espaço potencializa essa dor porque ela já está num momento muito frágil", justificou a deputada.

Em uma de suas últimas movimentações, a proposta foi encaminhada para a Comissão de Saúde da Casa de Leis e teve nomeação de relator. Se for aprovada e virar lei, ela obrigará todas as instituições de Mato Grosso do Sul a seguirem essa separação de leitos na maternidade como protocolo, além de adotarem práticas humanizadas relacionadas ao cuidado com essas mães.

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