Maioria dos presos em flagrante responde por roubos, furtos ou tráfico de drogas
Relatórios do Sistac também apontam que, entre os presos em flagrante, 64,3% são negras, enquanto 35% brancas
Relatórios do Sistac (Sistema de Audiência de Custódia) revelam que mais da metade (53,6%) das pessoas presas em flagrante no Brasil entre 2015 e 2024 responde por crimes patrimoniais ou relacionados a drogas. Entre os presos em flagrante, 64,3% são pessoas negras, enquanto apenas 35% são brancas.
As informações constam nos primeiros Boletins de Audiência de Custódia, de fevereiro e maio deste ano, extraídos do Sistac, e que passarão a ser publicados trimestralmente pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
De acor com o especialista em dados do programa Fazendo Justiça, André Zanetic, essa disparidade reflete as desigualdades socioeconômicas e raciais que permeiam o sistema prisional brasileiro. "Há uma super-representação de pessoas negras presas em flagrante, enquanto pessoas brancas estão sub-representadas, o que demonstra os marcadores sociais que historicamente encarceram mais a população negra", explica.
Importante mencionar que o programa Fazendo Justiça, parte do plano Pena Justa, que envolve o CNJ e outros parceiros institucionais, busca enfrentar as violações de direitos humanos nas prisões. O projeto foi impulsionado por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), por meio da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 37, e busca a criação de planos locais com base em realidades regionais.
Tortura - O relatório revela um dado alarmante: 9% dos presos em flagrante relataram tortura ou maus-tratos durante audiências de custódia realizadas no primeiro bimestre de 2024. Esse índice varia conforme a cor ou raça dos detidos, sendo mais elevado entre a população negra, que registrou 12,8% dos relatos.
De acordo com os dados nacionais, a proporção de denúncias de tortura se manteve estável em torno de 9% nos últimos cinco anos. Durante a fase mais crítica da pandemia de COVID-19, entre 2020 e 2021, o número de audiências caiu drasticamente devido à Recomendação n. 62/2020 do CNJ. No entanto, em termos percentuais, os relatos de tortura atingiram o pico em 2021, chegando a 11,2% dos casos, com uma leve queda em 2022 e 2023.
Os relatos de tortura variam significativamente conforme o tipo de crime. Detidos relacionados a crimes como associação para o tráfico, tráfico de drogas, roubo, furto qualificado e receptação registram percentuais de tortura acima da média. Entre os crimes com maior incidência de denúncias estão resistência (29%) e desobediência (19,5%), devido à própria natureza dessas infrações.
Outros crimes com altos percentuais de tortura incluem aqueles relacionados a armas de fogo (13,9%), corrupção (13,4%), posse ou porte ilegal de armas de fogo (13,4%), crimes de drogas (12,2%) e latrocínio (12%).
Especialistas alertam que esses percentuais podem ser subestimados, já que muitos detidos, sob diversos constrangimentos, tendem a omitir as torturas sofridas, especialmente pela presença de policiais militares nas audiências
Audiência de custódia - Criadas em 2015 pelo CNJ, as audiências de custódia tornaram-se obrigatórias em todo o país para garantir que pessoas presas em flagrante sejam apresentadas a um juiz ou juíza em até 24 horas. A regulamentação ocorreu através da Resolução CNJ n. 213/2015, que padronizou a prática, ainda que com adaptações locais.
Desde 2019, essas audiências passaram a ser parte das ações do programa Fazendo Justiça, em parceria com o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), para enfrentar os desafios da privação de liberdade no Brasil. Desde então, cerca de 1,6 milhão de audiências foram realizadas, tornando-se uma ferramenta crucial para avaliar a legalidade das prisões e decidir sobre a manutenção do encarceramento ou a aplicação de medidas alternativas.
O juiz auxiliar da Presidência do CNJ, Luís Lanfredi, destaca o papel das audiências de custódia na transformação da justiça criminal. "Elas permitem que o juiz ou juíza entenda melhor a realidade da pessoa presa, suas fragilidades e vulnerabilidades, e isso abre novas perspectivas para o Judiciário, principalmente no que se refere aos encaminhamentos sociais e à assistência necessária do Estado", afirma.
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