Para índios da Capital, vacinação é sinônimo de esperança e volta à normalidade
Hoje é dia de imunização dos índios com idade acima de 18 anos na Aldeia Marçal de Souza, em Campo Grande
A morte de 6 índios e o grande número de infectados entre os residentes na aldeia urbana Marçal de Souza, em Campo Grande, foram os argumentos utilizados pelos caciques para convencer os que ainda resistiam em participar da imunização contra covid-19, neste domingo.
A estimativa é que cerca de 600 índios das aldeias urbanas de Campo Grande, com idade acima de 18 anos, recebem a 1ª dose da vacina. A vacinação começou por volta das 7h30 e segue durante toda a tarde.
Josias Jordão Ramires, 33 anos, é cacique na Marçal de Souza desde 2019. Um dos desafios para a jovem liderança foi fazer com que a comunidade se convencesse da vital importância da imunização. “Houve grande rejeição, mas tivemos 6 mortes e 94% da comunidade pegou a doença”.
O cacique acredita que a imunização é início do retorno à normalidade. “Isso é marco histórico para todos nós, a importância de se imunizar e voltar à vida normal que sempre tivemos, de tomar tereré, conversar com vizinhos,falar da nossa cultura em uma roda de conversa, uma vitória para nós”.
A data também tem sentido pessoal para Ramires, que perdeu a mãe para a doença, no dia 26 de julho do ano passado. “Nem dormi essa noite, o coração acelera, se tivesse chegado pouco antes [vacina], ela estaria aqui na fila”. Ao todo, diz que perdeu 4 parentes para a covid-19.
Representante das lideranças mais antigas, o cacique Josué Nimbu, da aldeia Nova Canaã, no Jd. Noroeste, estava na Marçal de Souza para acompanhar a imunização. “Estamos com o coração de alegria com essa vacina. Esse maldito vírus que está ceifando a vida de muitas pessoas, mas Deus deu sabedoria para os médicos e para os homens”, avaliou. “Não via a hora de amanhecer”.
Quem também perdeu o sono foi a assistente administrativa Gisele Antônio Francelino, 40
anos, residente da comunidade há 23 anos. “Peguei covid em julho do ano passado e foi assustador”, lembrando que o marido e os 3 filhos também ficaram doentes, sem gravidade. Embora não tenha perdido familiares, viveu o luto por amigos infectados e que não resistiram à doença.
Na fila para ser imunizada, a professora Maria Auxiliadora Bezerra, 48 anos, comemorava a chegada das doses nas aldeias urbanas, antes, restrita aos indígenas aldeados em zona rural. “Não deixamos de ser índios porque moramos na cidade, os caciques correram atrás e hoje é o resultado desta luta, uma conquista”. A professora estava ansiosa: mãe de dois rapazes de 23 e 14 anos e avó de meninos de 4 e 2 anos, tem esperança de retomar a vida que conhecia antes da pandemia e olhar para o futuro. “Meus netos são tão pequenos, quero ver eles crescerem”.
Os mais jovens também compartilhavam da mesma ansiedade. Vitória Cristine Soares Antônio, 20 anos, estava feliz. “Significa basicamente esperança”, disse, acrescentando estar feliz e ansiosa.
Bryan Soares, tambémde 20 anos, esperava que a vacinação chegasse de forma mais tranquila, mas foi preciso a luta e a cobrança dos direitos dos indígenas da zona urbana. “Estou feliz de receber vacina, veio em momento importante; tivemos mortes de nossos anciões que participaram da construção da nossa comunidade, eram livros vivos para nós”, lamentou.