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Cidades

Por dia, 30 pedem remédio, vaga ou cirurgia à Justiça

E também gera custos altos ao Poder Público, chegando a R$ 100 milhões somente ao Governo de MS em 2023

Por Lucia Morel | 07/02/2024 16:07
Pablo segura nas mãos remédio contínuo que ele usa contra narcolepsia. (Foto: Arquivo pessoal)
Pablo segura nas mãos remédio contínuo que ele usa contra narcolepsia. (Foto: Arquivo pessoal)

Todos os dias, ao menos 30 ações novas começam a tramitar na Justiça Estadual de Mato Grosso do Sul pedindo medicamentos, cirurgias, exames ou mesmo leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Foi essa a quantidade diária registrada em 2023. E o número só aumenta, segundo o coordenador do Comitê Estadual do Fórum Nacional da Saúde do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), desembargador Nélio Stábile.

Desde 2017 à frente do comitê, ele já acompanhou milhares de casos de quem nem mesmo experimentou uso de medicamento previsto no SUS (Sistema Único de Saúde), mas pediu outro de referência na Justiça, até casos mais tristes, de quem morreu durante o processo ou mesmo casos oncológicos, que para ele são os mais difíceis.

“Às vezes a gente vê a pessoa que já foi buscar um tratamento no SUS receber um tratamento e aquele tratamento acabou não resultando na cura, especialmente oncologia. Foi prescrito uma quimioterapia, aí não deu resultado. Aí ela vem pedir medicamentos que não estão no SUS, que muitas vezes são importados, muitas vezes não são sequer aprovados pela Anvisa. É bem difícil”, comenta.

Entre casos de sucesso ao buscar a Justiça, está o da idosa Loides da Silva Ribeiro, de 68 anos, que há dois anos, em janeiro de 2022, conseguiu garantir decisão que obrigou o Poder Público a realizar cirurgia de R$ 119 mil no quadril. O Governo do Estado recorreu alegando que não havia urgência e, ainda, que a fila de espera por procedimentos estaria sendo desrespeitada.

Acórdão da 1ª Câmara Cível rejeitou o recurso estadual e determinou que a cirurgia fosse realizada. Em contato com a família de Loides, a reportagem soube que ela já passou pela cirurgia e está bem. Casos de cirurgia ortopédica foram os pedidos mais feitos à Justiça no ano passado, seguido de vaga em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e alimentação especial. Solicitação de remédios aparece em quarto lugar.

Outro caso comum é de concessão do direito, mas demora no cumprimento da demanda, devido a licitações e prazos do Poder Público, ou total negligência. É o que tem ocorrido com Pablo Neves Chaves, que ainda em 2013 conseguiu acesso por determinação judicial a medicamento para tratamento de narcolepsia (distúrbio crônico do sono que causa sonolência diurna em excesso). O custo de uma caixa do medicamento é de R$ 250,00.

Desde então, ele tem decisões favoráveis à entrega da medicação, mas esta foi entregue apenas até 2016. Então, ele precisa sempre recorrer a ações de cumprimento de sentença para ter acesso garantido o reembolso dos valores que ele mesmo acaba gastando na compra.

“Eu solicito o reembolso dos valores gastos com a medicação e o sequestro de valores do Estado para custeio do tratamento. É um absurdo isso, porque mesmo com a decisão judicial compelindo o Estado no fornecimento ou custeio, ele não é fornecido há oito anos”, lamentou, principalmente porque o reembolso nunca chega.

Para Stábile, a alta demanda de ações judiciais referentes à saúde pública, é um problema, porque aumenta os gastos do Poder Público, retirando recursos de outras áreas para cumprir decisões judiciais. Por outro lado, há os custos da Defensoria Pública, Ministério Público e do próprio Tribunal de Justiça, o que aumenta o uso de recursos públicos arrecadados através de impostos para a solução de demandas que, muitas vezes, poderiam ser resolvidas em uma conversa ou acordo.

Desembargador Nélio Stábile, coordenador do Comitê Estadual do Fórum Nacional da Saúde do CNJ. (Foto: Alex Machado)
Desembargador Nélio Stábile, coordenador do Comitê Estadual do Fórum Nacional da Saúde do CNJ. (Foto: Alex Machado)

“Na verdade, o SUS deveria funcionar melhor. Não que não funcione bem, mas poderia, ou deveria funcionar melhor. Eu sou defensor do SUS, porque se a gente imaginar é, nenhum outro lugar do mundo tem medicamento ou vacina de graça para a população”, sustenta o desembargador, reforçando que o Poder Público, caso se preparasse melhor, poderia evitar a judicialização em excesso. “A melhor distribuição dos medicamentos e a maior e melhor dispensação, creio que são fatores que auxiliariam a diminuir as ações”, avalia.

Por que tantas ações? - Para o magistrado, não existe uma reposta exata para a pergunta, mas algumas suposições. “Quanto mais ações nós tivermos, mais gente nós teremos que ter para julgar. A verdade é que nós queremos diminuir mesmo esse número de ações, porque é muito elevado, muito elevado”, analisa, reforçando que a resolutividade de casos que chegam ao Judiciário é alta, o que acaba fazendo as pessoas procurarem mais pelo serviço.

Entretanto, pondera também que “evidentemente que indica que há muito a fazer no SUS, mas o SUS é um programa único no mundo, é para todos, para todas as patologias, para todas as doenças, nem sempre é possível atender com velocidade ou facilidade, não é? Então muitas dessas demandas são porque a pessoa não recebeu o tratamento, medicamento ou não recebeu no tempo adequado”, diz.

Por fim, enumera que “muitas delas também são porque a pessoa quer o tratamento, o medicamento, aquele que ela pediu na hora que ela pediu, do jeito que ela pediu, do jeito que o médico dela receitou. Então, há alguns abusos, não tenha dúvida. Lógico que se eu sou paciente, eu quero o melhor para mim. Mas o que há que se compreender é que o Sistema Único de Saúde não fornece aquilo que é o melhor para todo o mundo, ele fornece aquilo que é possível para todos”.

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