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Cidades

Registros da pandemia: como os dados mostram que covid foi mais letal em 2021

Primeiros casos aconteceram em 2020, mas foi neste ano que a maior parte das vítimas foi registrada

Guilherme Correia | 27/12/2021 07:29
Mais de 7 mil pessoas morreram de covid em 2021, quase o triplo do registrado em 2020; na foto, mulher reza em cemitério na Capital. (Foto: Marcos Maluf)
Mais de 7 mil pessoas morreram de covid em 2021, quase o triplo do registrado em 2020; na foto, mulher reza em cemitério na Capital. (Foto: Marcos Maluf)

Em abril de 2021, a manchete “Recorde trágico: MS confirma 87 mortes por covid” estampava o Campo Grande News e anunciava o recorde diário de confirmações de óbitos da doença causada pelo coronavírus. A doença só chegou em 2020, mas foi em 2021 que registrou mais mortes e foi mais letal.

Desde esta data, tal índice nunca foi superado, mas milhares de outras pessoas se tornaram vítimas da pandemia.

Quase um mês antes, em 6 de março, a antropóloga e professora Aline Antonini, de 41 anos, testava positivo para a covid em um laboratório particular de Campo Grande, quando “praticamente todos na cidade estavam lotados de pessoas com casos suspeitos”.

Ela acredita ter sido infectada a partir do contato com outro indivíduo, ainda que encontrasse apenas duas pessoas e evitasse tirar a máscara, que sequer mexia muito no rosto - práticas que ela ainda carrega.

Senti uma tontura, fraqueza, uma coisa estranha. Lembrava gripe, mas eu sabia que não era, cuido muito da minha saúde e saberia se fosse. Comecei a sentir coceira na garganta, tosse e sintomas violentos”, descreve.

Aline, que havia perdido pessoas próximas para a doença, tinha muito receio de infectar familiares. “Entrei em negação, não queria sair do meu quarto, pois não queria transitar no espaço da casa, meus pais são idosos, tenho um filho adolescente”, narra.

Após ter confirmado a presença do vírus, seguiu com medidas ainda mais restritivas dentro da própria casa durante duas semanas. “Foram aterrorizantes, senti falta de ar, tontura. Passei por problemas de saúde - cirurgias, acidentes - mas nunca passei por nada parecido com a covid”.

Aline relata ter tido uma série de sequelas provocadas pela doença, tais como dores musculares, fraqueza ou dificuldade na fala. Hoje, recuperada parcialmente, ela ainda sofre com convulsões, que não tinha antes, problemas de memória e chegou a ter uma parada cardíaca, mesmo com exames indicando que o sistema cardiológico estava saudável.

“Meu corpo não é mais o de uma pessoa da minha idade e tenho que estar o tempo todo consciente que não estou segura e saudável, mesmo com exames laboratoriais perfeitos. Mudou minha estrutura de vida, a covid acabou com tudo”.

Registros da pandemia - Ao todo, foram 2.395 óbitos contabilizados entre março e dezembro de 2020 e pelo menos 7.321 em 2021 - o triplo.

Os números utilizados nesta matéria vêm de informações oficiais, que surgem em cada unidade de saúde nas cidades, passam pelas secretarias municipais, estaduais, e chegam até o Ministério da Saúde, pasta do governo federal que confirma todas as informações preexistentes.

O enfermeiro Paulo Franco, de 29 anos, explica que cada paciente com suspeita da covid deve realizar um teste para detecção do coronavírus, oferecido gratuitamente por meio do SUS ou vendido e aplicado em laboratórios particulares.

Parte do expediente de Paulo é em um CRS (Centro Regional de Saúde) da Capital, período em que indivíduos com sintomas respiratórios que passam pela triagem da unidade de saúde são encaminhados para salas de testagem.

Ele diz que as informações coletadas a partir dos testes rápidos entram na plataforma do E-SUS Notifica, do Ministério da Saúde. Detalhes como a marca do teste, o lote do material, informações gerais sobre o paciente, dentre outros são citados.

Tais dados têm de ser cadastrados, a fim de fornecer informações estratégicas de saúde aos gestores municipais, estaduais e federais, como forma de elaborar planejamentos para melhorar os serviços do SUS.

Por lei, tais registros são públicos à população e podem ser consultados - com detalhes pessoais e sigilosos ocultados - por meio dos bancos de dados das secretarias de Saúde, além do próprio Ministério.

Levantamento feito pela reportagem (*), com base nos dados publicados pela SES (Secretaria Estadual de Saúde), que consolida registros dos municípios sul-mato-grossenses - estes que agregam informações de cada unidade de saúde - indica que, em meados de junho, houve picos acentuados de mortes e casos no Estado.

O índice verificado em 9 de abril foi de 56 mortes a cada 24 horas e em 2 de junho, havia 2 mil infecções por dia.

Em média, havia mais de mil pessoas internadas em leitos clínicos ou de terapia intensiva nos hospitais públicos e privados, em condições tão graves ou até piores que a da professora Aline Antonini.

“Sempre me vacinei, tenho o mesmo cartão de vacina desde quando nasci, mas naquela época não tinha chegado para mim a vacina. As pessoas podem ter uma vida saudável, perfeita, mas pegar covid e se arrebentarem. O que covid pode fazer, ainda é um mistério. A ciência, pesquisadores, não têm ideia do que ela pode gerar no seu corpo e isso é muito triste, perder o controle do corpo”, comenta.

Perfil das vítimas - Outro exemplo de como os registros podem indicar informações importantes sobre a saúde, análise feita pelo Campo Grande News com base no banco de dados estadual sobre as vítimas da doença mostra que os pardos morreram em maior quantidade do que brancos no Estado.

Vale lembrar que o IBGE aponta a população branca como maioria numérica em Mato Grosso do Sul. Além disso, a taxa de letalidade - proporção de óbitos pelo total de casos -, em pardos e pretos (quase 3%) é superior a de brancos (2,5%) ou amarelos (1%).

Importância da vacinação - O conhecimento e defesa do SUS (Sistema Único de Saúde), alvo de muitas críticas em outros momentos, aconteceu quando a população pôde ter um alívio mínimo com a chegada e disponibilização gratuita das vacinas contra o coronavírus.

Apesar da demora na aquisição de imunizantes, feita obrigatoriamente pelo governo federal, se comparado a outros países ao redor do mundo - e até alguns vizinhos, como é o caso do Chile, Uruguai ou Argentina - o Brasil se tornou exemplo na aplicação de doses, já que a capilaridade do sistema público de saúde, que existe desde a década de 1970, pôde atingir territórios de difícil acesso, por exemplo.

A atuação de milhões de profissionais de saúde vinculados aos estados e prefeituras, assim como os do setor particular, evidenciou os benefícios da vacinação para reduzir danos de uma eventual exposição ao vírus. Ainda assim, alguns relutam e preferem correr riscos de morte a partir de uma infecção.

Análise feita no começo de dezembro pelo Campo Grande News mostrou que as mortes são muito mais frequentes em quem não se vacinou, além de ter evidenciado a importância na manutenção do ciclo vacinal com a terceira dose, reduzindo ainda mais a probabilidade de óbito pela doença.

No mundo, quase 5,4 milhões de pessoas morreram de covid, sendo 618 mil apenas no Brasil. A Grande Guerra, conhecida em solo brasileiro como a Guerra do Paraguai, matou cerca de 280 mil paraguaios, em sua maioria civis, e 50 mil soldados brasileiros, de acordo com estimativa do historiador Francisco Doratioto, no livro Maldita Guerra.

As vítimas diretas do maior conflito armado da América do Sul, que em grande parte aconteceu a centenas de quilômetros de Campo Grande, na fronteira do Brasil com o Paraguai, são em menor escala do que o total de mortes registradas nos últimos 21 meses pela covid.

Em território sul-mato-grossense, desde março de 2020, ao menos, 379.502 pessoas tiveram a doença, das quais 9.706 foram a óbito.

Comparado ao total de habitantes estimado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 2.839.188 moradores, cerca de 13,3% da população foi infectada em algum momento. Desses, aproximadamente 2,5% morreram.

Nos dois piores anos da epidemia de influenza, 2009 e 2010, o Brasil inteiro registrou 2.232 mortes pelo vírus - este, que passou a despertar receio por parte da população, recentemente, com surtos em grandes cidades brasileiras, sendo que, no Estado, foram 24 vítimas neste período.

Somente em 2020, todo o País registrou 555 mortes por dengue, doença que é frequente em território estadual. Desde 2013, segundo o Ministério da Saúde, foram 4 mil óbitos confirmados por esta arbovirose - no mesmo intervalo de tempo, ocorreram 118 óbitos em Mato Grosso do Sul.

(*) Vale lembrar que os dados ficaram fora do ar durante, pelo menos, 12 dias de dezembro, devido a um ataque hacker no sistema federal, que compila todas as informações. Portanto, para as análises desta reportagem, foram consideradas informações até 10 de dezembro de 2021.

Atualmente, as equipes de vigilância epidemiológica em Mato Grosso do Sul têm cadastrado, manualmente, informações registradas em formulários próprios, gerando demora na atualização de informações referentes ao último mês do ano.

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