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Cidades

Saída indicada por Lula para indígenas de MS é possível? Veja opiniões

Lula chamou o governador do Estado, Eduardo Riedel, para juntos adquirirem área para indígenas

Por Lucia Morel | 12/04/2024 19:07
Jovem indígena protesta com bandeira do Brasil, em área de disputa agrária em Mato Grosso do Sul (Foto: Iara Cardoso/Arquivo)
Jovem indígena protesta com bandeira do Brasil, em área de disputa agrária em Mato Grosso do Sul (Foto: Iara Cardoso/Arquivo)

Não é de hoje que se sabe que indígenas vivem em condições precárias em Mato Grosso do Sul, inclusive os guarani-kaiowá, citados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na manhã de hoje. O chefe do Executivo nacional chamou o governador do Estado, Eduardo Riedel (PSDB), para que possam, juntos, adquirir área para alocar os indígenas e retirá-los das beiras das estradas.

O Campo Grande News mostra com frequência os problemas enfrentados por essa população e a miséria a que é submetida, como foi publicado aqui. E será que comprar terras, alocando os indígenas em áreas maiores, sem que sejam tradicionais, os ajuda? É viável? A reportagem ouviu três advogados, todos ligados aos direitos indígenas ou referentes à terra, e sim, possibilidade existe na prática.

O presidente da Comissão Permanente de Assuntos Indígenas da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso do Sul), Christopher Pinho Ferro Scapinelli, explica que a compra de terras pelos governos aos indígenas pode ocorrer desde que haja uma justificativa, ou seja, “se é justo esse ato ou não”.

Entretanto, em sua análise, “havendo várias terras já destinadas, reconhecidas aos povos originários, temos que ter cautela com relação a essa atitude e decisão por parte do governo federal”, até porque a luta indígena é marcada pela retomada de áreas consideradas como ancestrais.

O advogado diz ainda que em relação à alocação dos povos originários, “entendo, também ser necessária uma consulta a essas pessoas, pois uma decisão unilateral de cima para baixo nem sempre é a melhor decisão ou solução para os problemas da população indígena”, aponta.

Outro lado lembrado por ele é a aplicação de recursos para essa aquisição de terras - sejam elas sem tradição indígena ou ancestrais - que devem ser de “grande ordem”.

“Sabemos que o momento financeiro do país está gravemente abalado e o investimento em áreas neste momento, avaliando que já há áreas já disponíveis para essa destinação à população indígena, torna o momento, a meu ver, não apropriado para a realização desse tipo de despesa.”

Ferro Scapinelli avaliou, assim, que “não dá para corroborar nesse momento, a ideia do governo federal, até porque há necessidade de maiores estudos técnicos, de esclarecimentos para poder apoiar uma decisão de tal envergadura, especialmente quando se envolverão recursos de grande ordem, havendo outros setores, como saúde e educação tendo cortes nas verbas do orçamento federal”.

Pelo lado dos produtores rurais, o advogado Gustavo Passarelli, que lida com demandas inclusive da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), explica que há duas opções na questão da aquisição de áreas para os indígenas: terras sem ancestralidade indígena e a que já são declaradas como tradicionais.

“Quando a área é declarada indígena não se fala em aquisição. O que se possibilita é que o proprietário da terra que tem os títulos e a adquiriu seja indenizado. Se vamos falar em opções legais, seria a indenização pelo valor da terra nua e nesse caso, o que dimensiona é a quantidade de área, quanto maior, mais cara.”

Recentemente, o líder da bancada federal de Mato Grosso do Sul no Congresso, deputado Vander Loubet (PT), participou de reunião em que foi deliberado que o governo federal quer aplicar cerca de R$ 1 bilhão para a aquisição de propriedades rurais que são alvo de litígio entre produtores rurais e indígenas. A ideia é atuar em áreas emergenciais no Brasil e em MS, seriam beneficiados cenários em Rio Brilhante e Amambai.

Mas para Passarelli, a necessidade ultrapassa os R$ 7,7 bilhões em cerca de 140 mil hectares localizados nessa mesma região. O hectare em Dourados, nesse caso, é avaliado em R$ 50 mil. Em sites especializados em venda de fazendas analisados pelo Campo Grande, o valor do hectare (em áreas com benfeitorias e lavoura, por exemplo) ficou entre R$ 68 mil e R$ 140 mil.

Presidente Lula em discurso durante evento na unidade da JBS da BR-060, saída para Sidrolândia. (Foto: Henrique Kawaminami)
Presidente Lula em discurso durante evento na unidade da JBS da BR-060, saída para Sidrolândia. (Foto: Henrique Kawaminami)

“Não chegamos, não tenho conhecimento em até pouco tempo de alguma área que tenha sido declarada indígena e os produtores tenham recusado a indenização. O que se tem sempre é a questão orçamentária, porque não se pode aceitar um valor que não seja de mercado”, sustenta. O advogado finaliza que “na prática sempre que foram dadas as proporções das áreas, o que inviabiliza é a questão orçamentária. Sem dinheiro, não tem solução.”

Defensor do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e da Grande Assembleia Guarani-kaiowá (Aty Guasu), Anderson Santos coloca que para os indígenas o que importa não é exatamente ter mais espaço e terra, mas poder ocupar áreas que pertenceram ou foram ocupadas por seus ancestrais.

“Terras podem ser adquiridas pela União, mas o único problema, falando de Dourados, especificamente, a reivindicação é por território tradicional, ancestral. Não é qualquer terra que os indígenas querem. É a tradicionalidade do uso de área que interessa”, afirma. “Não se pode colocá-los em terras onde eles não se identificam ou que não se aplicam à realidade ou ao direito indígena”, alega.

Comentando sobre a indenização à terra nua aos produtores rurais, ele diz não ter noção do valor necessário para indenizações, até porque não há uma análise finalizada sobre espaços que estão sob litígio ou que ainda estão em estudo. A Terra Indígena Buriti, entre Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, segundo Santos, foi a que mais se aproximou de uma solução através da indenização da terra nua aos produtores.

Em 2013, conflito entre indígenas e produtores matou Oziel Terena, em maio de 2013. Um ano depois, o governo federal ofereceu R$ 78,5 milhões por 15 mil hectares ocupados por cerca de 30 produtores. Eles rejeitaram o valor e pediam, na época, R$ 200 milhões. O valor do hectare, nesses dois casos, sairia por R$ 5,2 mil e R$ 13,3 mil, respectivamente.

Por fim, o advogado rejeitou a ideia do presidente, que chamou de colonialista. “É a velha ideia do branco que pode pensar e decidir o que é o melhor para o outro”, avalia.

Aty Guasu - Em suas redes sociais, a Grande Assembleia Terena se posicionou sobre a fala do presidente. Para os guarani-kaiowá, “essa proposta de compra de terras abre um precedente perigoso, que inclusive foi aberto no debate sobre o Marco Temporal no STF. Isso descaracteriza inclusive o direito originário, bem anterior à própria Constituição de 1988”, apontam.

Disse ainda que Mato Grosso do Sul é o estado com mais retomadas de terras indígenas do Brasil, mas que até agora nenhuma delas foi demarcada ou homologada. Ao final, ressaltaram que a questão “não é sobre comprar terras, e sim demarcar as terras indígenas reivindicadas em MS, que não chegam a 3% da extensão territorial”. do Estado.

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