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Cidades

Se MS lidera taxa de suicídio, cultura do “super-herói” afasta policial de ajuda

“Acabam olhando para o policial como se ele não sofresse”, diz presidente de associação

Aline dos Santos | 21/07/2023 12:48
"A figura do policial militar é quase como de uma máquina, um ‘super-herói’", diz Cláudio Benites. (Foto: Henrique Kawaminami)
"A figura do policial militar é quase como de uma máquina, um ‘super-herói’", diz Cláudio Benites. (Foto: Henrique Kawaminami)

A dura estatística está no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Mato Grosso do Sul tem maior taxa nacional de suicídios entre policiais, mas parte da explicação se encontra na dificuldade desses profissionais em superarem a cultura de “super-herói” e procurarem ajuda diante de quadros de depressão.

Incitado a ser forte desde a formação, capaz de resistir à chuva, frio calor ou qualquer outra adversidade, o policial se sente receoso em demonstrar vulnerabilidade, até mesmo temendo o julgamento dos colegas, de ser visto como um membro fraco da corporação.

O presidente da Aspra-MS (Associação de Praças da Polícia Militar e Bombeiros Militares do Mato Grosso do Sul), Cláudio Benites da Silva, afirma que há duas psicólogas para atendimento, mas não há muita procura. A Aspra tem 400 associados.

“É aceito, mas não tem tanta procura. A gente acredita que seja por causa de uma certa cultura interna de que policial militar é algo além de um cidadão. A figura do policial militar é quase como de uma máquina, um ‘super-herói’. Acabam olhando para o policial militar como se ele não sofresse os mesmos problemas de um cidadão comum. Isso acaba influenciando. Às vezes, o militar deixa de procurar assistência psicológica, psiquiátrica, religiosa ou qualquer tipo de assistência com certo receio de ser rotulado como membro fraco da instituição”, afirma Benites.

De acordo com o presidente da associação, a Aspra, além do serviço próprio de atendimento psicológico e eventos para “momentos de descompressão”, mantém diálogo com o comando da PM (Polícia Militar) para verificar condições de trabalho, progressão de carreira e aspectos da vida funcional que podem influenciar no bem-estar psicológico dos militares.

“Existe, inclusive, um ditado que diz que o militar é superior ao tempo. Ou seja, a pessoa que enfrenta frio, chuva, calor, todas as condições adversas possíveis para executar o seu trabalho junto à sociedade. Essa cultura é criada desde o curso de formação. Somos militares, desempenhamos uma função extremamente estressantes, precisamos ter autocontrole muito superior ao público civil, isso é fato. Mas essa cultura acaba fazendo com que o militar, quando se vê acometido por algum problema, se retrai. Ele guarda isso para si de tal forma que só consegue exteriorizar nos piores momentos, aí que estoura casos de depressão, suicídio”, destaca o presidente da Aspra.

Atualmente, os candidatos passam por análise psicológica para ingresso na carreira e quando se envolve em confronto policial. No primeiro caso, o profissional pode estar vindo de outra área, sem vivência na segurança pública, além de ser preparado por cursos específicos que orientam sobre como obter aprovação.

Cláudio Benites é presidente da Associação de Praças da Polícia Militar e Bombeiros (Foto: Henrique Kawaminami)
Cláudio Benites é presidente da Associação de Praças da Polícia Militar e Bombeiros (Foto: Henrique Kawaminami)

Depois que ele ingressa na carreira, aquele perfil psicológico que foi aprovado, às vezes, se demonstra totalmente diferente no dia a dia da atividade policial. Depois do ingresso, esse acompanhamento não existe mais, não há obrigatoriedade. No processo de formação, você é formado para ser aquele policial militar forte, que vence as adversidades e acaba criando essa cultura de resistência. Ele vai acumulando, acumulando e essa fraqueza só é liberada, muitas vezes, naquele processo de crise. Ou ele comete suicídio, ou ele mata alguém ou estoura dentro da família”, diz Benites.

Desde 2010, o comando da PM tem normativa que determina que policiais militares envolvidos em ocorrência de vulto, como em confronto policial, deve passar, obrigatoriamente, por avaliação psicológica antes de voltar ao trabalho. A sugestão da associação é de que tenha mais avaliações psicológicas após o ingresso na carreira.

“Com psicólogos que pudessem acompanhar os policiais militares dentro da sua rotina. Desenvolver ações preventivas e não as reativas. Uma vez que o policial já está depressivo, já tentou suicídio, você está agindo sobre o resultado daquela ação, você está reagindo àquele problema”, afirma o presidente da associação.

Mato Grosso do Sul teve a maior taxa de suicídios entre policiais militares e civis no Brasil em 2022, conforme pesquisa divulgada na quinta-feira (dia 20) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em 2021, o Estado se manteve empatado com Pernambuco, Sergipe e Rio Grande do Sul. No ano de 2021, foram três casos. Em 2022, quatro suicídios.

A reportagem solicitou informações à Polícia Militar sobre o acompanhamento psicológico aos profissionais, mas não obteve resposta até a publicação da matéria.

Campo Grande News - Conteúdo de Verdade

Transtornos de saúde mental – Com dados estatísticos de 2011 a julho de 2016, a pesquisa acadêmica “Reflexões sobre a saúde mental do policial militar”  mostra que o tempo de afastamento do profissional vai de 54 dias (em 2011) a 72 dias (2016) para tratamento. Os motivos predominantes são depressão, ansiedade e estresse grave.

Ajuda - Em Mato Grosso do Sul, o GAV (Grupo Amor Vida) presta apoio emocional na prevenção do suicídio. Ligue sempre que precisar. O telefone é 0800-750-5554 (a ligação é gratuita).

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(Matéria editada às 13h32 para correção de informações). 

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