Só se tiver serventia, alerta juiz a piloto sobre delação contra máfia
Felipe Ramos Morais contou detalhes da relação com Jefferson Piovezan Molina de Azevedo, filho do policial militar Silvio Molina
Depois de ouvir pessoalmente o teor da colaboração premiada do piloto Felipe Ramos Morais, sobre o esquema de tráfico de drogas investigado pela Operação Laços de Família, o juiz Bruno Cézar da Cunha Teixeira, da 3ª Vara da Justiça Federal de Campo Grande, avisou que a delação só ajudará se for de “utilidade” para o processo.
Em audiência na tarde desta segunda-feira (25), Felipe reforçou o depoimento prestado em delação e detalhou, mais uma vez, sua relação com Jefferson Piovezan Molina de Azevedo, assassinado em 2017, aos 25 anos, em Mundo Novo, cidade “sede” da organização criminosa.
Ao juiz, Felipe afirmou que em 2012 acabou preso após ser alvo de sequestro e foi “apontado” como comparsas dos bandidos. Na época, pilotava elicóptero que diz ter comprado com dinheiro herdado do avô e acabou vendo o aparelho ser apreendida pela polícia. Meses depois, conseguiu a aeronave de volta, mas passou a ser, nas palavras dele, “perseguido” pela polícia.
Por pelo menos outros três vezes, disse, foi alvo de buscas e em setembro de 2013 viu, novamente, o helicóptero ser apreendido. Sem ter como trabalhar por conta própria, depôs, aceitou a proposta de um conhecido e começou a pilotar aeronave velha, que diariamente apresentava problemas mecânicos.
Ainda assim, pilotou o helicóptero até agosto de 2014, quando sofreu novo acidente e precisou fazer um pouso de emergência na região rural de Marília, interior de São Paulo. Foi ali, segundo Felipe, que as coisas mudaram e ele decidiu investir na vida ligada ao tráfico de drogas. “Eu pensei, já que eu tenho a fama, agora vou fazer dinheiro”.
Para conseguir contato no mundo do tráfico, pediu ajuda a um amigo, identificado por ele apenas como “Tomate”. Foi ele quem apresentou Jefferson, relata. O rapaz, na época já apontado como um dos líderes do tráfico na região de fronteira, explicou que queria um helicóptero para “fugir da mulher” e contratou Felipe por um salário de R$ 8 mil mensais.
O primeiro contato dos dois, no entanto, veio antes mesmo de a aeronave ser comprada. Em depoimento, Felipe lembrou que viajou com Jefferson para Natal, e lá conheceu Adayldo Ferreira, o “Bebê”, e vários outros traficantes em uma festa.
Ouvindo a conversa do chefe, descobriu que as toneladas de droga saiam de Mundo Novo em caminhões, sempre com destino ao Nordeste e lá eram “pulverizadas” para várias cidades por “Bebê”. A viagem de volta a Mato Grosso do Sul foi feita toda de carro, e na estrada Jefferson contou sua trajetória de vida para o piloto.
Felipe afirmou que o amigo começou a história falando que desde muito novo ajudava o pai, o policial militar Silvio César Molina Azevedo, em crimes de contrabando. Na adolescência se envolveu no tráfico com ajuda do cunhado, Douglas Alves Rocha. Inicialmente atravessava a fronteira a pé com uma mochila recheada de drogas nas costas. Depois se tornou motorista, para levar as cargas para o Nordeste. Logo conseguiu comprar um caminhão e virou transportista, até finalmente virar “patrão”.
Nos meses que trabalhou para o traficante, Felipe morou na casa de Jefferson e teve contato direto com toda a família Molina. “Eu ficava sozinho, ele só dormia lá no sábado e no domingo porque tinha medo da Polícia Federal bater na casa dele”. Durante a semana ficava na casa de Lizandra Mara Carvalho Ricas. Era lá também que guardava dinheiro.
Ao longo do tempo, justificou, Jefferson depositou várias quantias em sua conta em nomes de terceiros, principalmente no de Kaíque Mendes e BonyequesPiovezan, e pediu também que ele transferisse valores para outros investigados da operação, “sempre para uso doméstico”. Foi também no nome dele que o “patrão” comprou o helicóptero de R$ 900 mil que usava.
Felipe afirma que após parar de trabalhar para o traficante, comprou a aeronave dele e pagou todo o valor parcelado. Enquanto morou em Mundo Novo ainda testemunha de sequestros, visitou vários imóveis de Jefferson e frequentou a oficina em que os caminhões usados para o transporte da droga ficavam.
Nesta segunda-feira mudou apenas um detalhe do teor da colaboração premiada. Quando questionado pelo juiz se Silvio Molina era o dono da cidade, negou. “Dono da cidade era o Jefferson. Não me recordo de falar isso, deve ter acontecido uma interpretação errada. Ele era influente porque era o chefe da polícia da cidade, o comandante do pelotão”, justificou. “Sem problemas, podemos ouvir a gravação do depoimento”, rebateu Bruno Cézar da Cunha Teixeira.
Lavagem de dinheiro – Além do crime de associação criminosa, Felipe é indiciado no processo por lavagem de dinheiro. Nessa tarde confessou ter transferido para o nome da mãe um helicóptero que não era seu, a mando do verdadeiro dono, mas negou os outros crimes praticados.
Ele explicou em audiência que sua empresa de táxi aéreo cresceu depois que parou de trabalhar com Jefferson, mas que nunca deixou de ter contato com ele. “Como amigo”, reforçou, negando laços com o tráfico de drogas para o nordeste do Brasil. Foi, segundo o piloto, por causa dessa relação que ele se envolveu “sem querer” na apreensão de R$ 300 mil.
Depois de fazer uma viagem de helicóptero do Rio de Janeiro até o Guarujá, emprestou a própria caminhonete para Jefferson continuar o trajeto por terra, já que o tempo não permitia voo. “Não tinha como saber que ele estava com o dinheiro, eu não tenho jurisdição para revistar a mala dele, e além disso não tem como provar a origem do dinheiro, R$ 300 mil pode ser de uma casa. Fazer transporte de dinheiro não é crime”.
Mais de uma vez, Felipe alegou ter apenas cinco helicópteros que faziam voos panorâmicos e pulverização em lavouras.
“Todos os outros helicópteros que foram imputados a mim pela Polícia Federal eram de outras pessoas”, justificou. Felipe afirmou que o valor apontado como sua renda no processo é “absurdo”, que alugava um apartamento no “prédio do Lula”, no Guarujá, e que todos os bens que possuíam estavam registrados em nome de sua empresa.
“Meu patrimônio é de R$ 4 milhões. Eu só recebia em dinheiro, por semana pegava cerca de R$ 20 mil, por mês eram R$ 400 mil, ou seja R$ 4 milhões por ano. Tudo era registrado na empresa e está tudo declarado”, afirmou. "Isso foi feito para induzir o juiz ao erro".
A conta, no entanto, foi colocada em questão quando o juiz questionou se o valor não ultrapassava o limite estabelecido para microempresas. Neste momento, Felipe de contradisse e alegou que os R$ 4 milhões de patrimônio foram adquiridos ao logo de seis anos e por isso a empresa estava legal. A delação premiada agora será analisada pelo magistrado.