Delator, piloto diz que foi contratado por filho de PM apontado como traficante
Felipe Morais, 32 anos, diz que nunca lidou com Silvio Molina, mas revela influência do policial a partir de terceiros
No dia 12 de março deste ano, no Presídio Federal de Campo Grande, o piloto Felipe de Ramos Morais, 32 anos, assinou, na presença de dois procuradores federais, de um delegado da Polícia Federal e da advogada dele, termo de declaração em colaboração premiada na qual se comprometeu a dizer o que sabia sobre a organização criminosa alvo da Operação Laços de Família, deflagrada em junho de 2018 para destruir máfia do tráfico de drogas na fronteira.
O chefe seria o subtenente da Polícia Militar Silvio César Molina de Azevedo, 47 anos, preso hoje em Mossoró (RN). No documento, ao qual o Campo Grande News teve acesso, Felipe afirma ter sido contratado, em 2014, pelo filho de Molina, Jefferson Piovezan Molina de Azevedo, assassinado em 2017, aos 25 anos, em Mundo Novo, cidade “sede” da organização criminosa.
O depoimento cita Silvio Molina, mas o tempo todo Felipe coloca as informações na boca de “terceiros”. Há relatos do poder dele no grupo criminoso, mas não de ação efetiva ligada ao tráfico.
Conhecido nacionalmente como piloto da facção criminosa PCC, Felipe está preso desde maio de 2018, por outro crime: é acusado de transportar para a morte duas lideranças da facção cuja execução teria sido determinada por Marcos Herbas Camacho, o Marcola, considerado um dos mais perigosos criminosos brasileiros. Ele é processado pelos homicídios na Justiça do Ceará.
A participação na facção, porém, não é alvo do acordo de delação premiada em nenhum momento, apesar de haver suspeita de ligação da quadrilha de Mundo Novo com o PCC. No documento integrante da colaboração premiada, em 17 páginas, o piloto de avião detalha sua versão para as relações com Jefferson Molina, nega ter usado para transporte de drogas helicóptero que afirma ter sido comprado por “Jeffinho” por R$ 900 mil, pagos em depósitos fracionados, em nome de terceiros, no fim de 2014.
Felipe afirma que foi apresentado a Jefferson Molina em outubro daquele ano, em Mundo Novo, por um homem identificado apenas como “Tomate”, já falecido. O salário oferecido era R$ 8 mil, informou.
À época, disse, Jefferson queria comprar helicóptero apenas para “lazer”. Ao longo do texto, são descritas festas no litoral paulista, com a presença de cantores levados de outras regiões, mulheres transportadas do Rio de Janeiro, além de passeios de lancha, uso de casos luxuosos, como uma Ferrari amarela, além de outras extravagâncias. É descrito, ainda, o fato de o jovem ter sido visto um dia com mala de R$ 1 milhão em dinheiro.
A primeira viagem de Felipe com Jeffinho, como é era conhecido o traficante, foi para Natal, no Rio Grande do Norte, e teve como objetivo a negociação de drogas com Adayldo Ferreira, o “Bebê”, um dos presos na Laços de Família.
“Escolta” - Sobre Silvio Molina, o conteúdo só traz passagens sobre ações de “apoio” a atividades criminosas, e não de negociações de drogas em si. Na página 5, por exemplo, há a citação de escolta da ambulância na qual Gilberto da Silva Mosquer foi transferido para Umuarama (PR), depois de tiroteiro em que um pistoleiro foi morto, em junho de 2015. A escolta, segundo relatado, ficou a cargo de “Silvio Molina e um outro policial militar”.
Na página 7, o piloto admite ter transportado o subtenente da PM, o filho “e um advogado”, de Guaíra (PR), vizinha a Mundo Novo, para Campo Grande, para resolver um problema de Douglas Alves Rocha, o Bodinho, genro do policial, outro réu na Lações de Família. Nesta época, Bodinho se envolveu em um assassinato.
O documento diz que ele matou, em janeiro de 2015, um homem que teria sido contratado para assassinar “um tal de sargento Molina”. Mais à frente, ainda conforme declaração do piloto, ele diz ter ouvido de Jeffinho que “aprendeu tudo com o pai”, uma vez que deste pequeno o vira fazendo contrabando na fronteira. Ele teria começado na atividade ilegal na adolescência, aos 14 anos, passando drogas da fronteira para o Brasil em mochilas, ou seja, como "mula".
Felipe atribui a "Tomate", o amigo que o apresentou a Jefferson, outra informação sobre o homem a quem o MPF acusa de líder da quadrilha. De acordo com o termo de declaração, o filho assassinado do policial funcionava como um “testa-de-ferro” do pai, a quem cabia a direção da organização criminosa.
Ainda com base no “ouvi falar”, o piloto revela ter tido a informação de “grande influência” de Silvio Molina no meio policial, onde era chamado, inclusive de “dono da cidade”, com poder até mesmo sobre a direção da Delegacia de Polícia Civil na cidade.
Por último, observa que foi por conselho de Silvio Molina que Jefferson passou a morar em Salto de Guairá, no Paraguai, depois de ser alertado por coronel da Polícia Militar de que era alvo de investigação.
Como o Campo Grande News já havia revelado, a filha e a esposa de Silvio também foram inocentadas.
Jefferson Molina acabou sendo executado, com mais de 10 tiros, no dia 17 de julho de 2017, na rua Juscelino Kubitschek, em frente a uma lanchonete. Até hoje, o crime ainda não teve culpado apontado. No acordo de colaboração premiada, Felipe acusa uma pessoa identificada apenas como
“Turquinho” ou “Turcão”, que seria rival da vítima no tráfico de entorpecentes e que teria jurado Jeffinho de morte depois de ser baleado por ele em mais uma disputa pelo controle do crime na região.
As últimas páginas são dedicadas a coordenadas dos endereços nos quais o piloto diz ter estado com Jefferson Molina.
Processo – A Operação Laços de Família gerou dois processos. Foi desmembrada a ação envolvendo a filha e a esposa de Silvio Molina. O processo principal, com 19 réus, ainda está com audiências marcadas para novembro. O primeiro a ser ouvido é o piloto, justamente por estar na condição de colaborador da Justiça, no dia 25 de novembro, por videoconferência.
Os termos do acordo não são conhecidos e por isso não há como saber o que a investigação tem em relação às revelações feitas pelo piloto e de que forma ele será beneficado. Felipe também fez acordo com o Ministério Público Estadual do Ceará, sobre as mortes dos líderes do PCC.
O MPF foi procurado e informou que se pronuncia o "caso em questão". A defesa de Felipe Morais, a cargo da mãe dele, Mariza Almeida de Ramos Morais, não foi localizada. A reportagem também não conseguiu contato com o defensor de Silvio Molina, Thiago Anastácio.