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Cidades

"Todo mundo sabe, menos a gente", diz criadora de delegacia contra feminicídio

Eugênia Villa implementou delegacia especializada antes do termo ser tipificado no Código Penal

Por Kamila Alcântara | 08/08/2024 16:26
Diretora de Avaliação de Riscos da Secretaria de Segurança Pública do Piauí, delegada Eugênia Villa (Foto: Osmar Veiga)
Diretora de Avaliação de Riscos da Secretaria de Segurança Pública do Piauí, delegada Eugênia Villa (Foto: Osmar Veiga)

“Feminicídio é um crime íntimo e como vamos entrar dentro das casas?” questiona a delegada Eugênia Villa, que implantou a 1ª Delegacia de Combate ao Feminicídio do País , lá no Piauí. Ela veio a Mato Grosso do Sul participar do evento “Diálogos para a prevenção: Mulheres Vivas, Feminicídio Zero”, promovido pela Subsecretaria Estadual de Políticas Públicas para Mulheres, nesta quinta-feira (8), no auditório do Museu Dom Bosco em Campo Grande.

Ela explica que entendeu que esse tipo de crime precisava ser combatido de uma forma protocolar diferente pelas polícias, que o Estado falhava na proteção das mulheres e que já se tratava de uma questão urgente. Foi quando assumiu a Secretaria Estadual de Segurança do Piauí interinamente e, na intenção de realmente deixar um legado, assinou uma portaria que criava a 1ª Delegacia de Combate ao Feminicídio do País, no dia 2 de março de 2015. O crime só foi tipificado na Lei Maria da Penha uma semana depois, sendo hediondo.

“Quem deu nome a esse tipo de assassinato de mulheres, na antropologia, foi a Diana Russel. Por entender que era um problema muito sério em toda América Latina, que o Estado negligenciava as vítimas e até permitia o assassinato das mulheres negras e periféricas, a estudiosa feminista Lagarde y de los Ríos traduziu para feminicídio, por já pude usar na delegacia do Piauí”, explica Eugênia.

Material de divulgação da campanha Agosto Lilás (Foto: Osmar Veiga)
Material de divulgação da campanha Agosto Lilás (Foto: Osmar Veiga)

O que mudou? - A delegada destaca que criou protocolos diferentes para o atendimento, pois esse tipo de violência é de difícil acesso pelas forças policiais, é algo íntimo e ainda silenciado pelas próprias vítimas. Ela acredita que não é com polícia na rua que se combate, é com estratégias sociais.

“Feminicídio é algo bem desafiador, não só no âmbito da Segurança Pública. Não é no combate de rua que se resolve, é na esfera íntima. Como vamos entrar dentro de uma casa? Quando chegamos no local de crime, essa mulher já vivenciou muitas outras violências e o vizinho sabe, todo mundo sabe, menos a gente e o setor público. É um combate que exige novos protocolos e novas políticas. Temos que abrir um pouquinho a solidez da polícia, para ser mais flexíveis e colocar normas que descriminalizem a vida social”, completa.

Lá no Piauí, na delegacia especializada, foi criado um Núcleo de Estudo e Pesquisa da Violência de Gênero, que elaborou metodologias e estratégias mais específicas para investigação de feminicídios. Um exemplo é que os agressores são sempre ouvidos por policiais homens, para que eles se sintam “à vontade” para justificar o crime cometido.

Já no ambiente de estudos, ela observa algumas das justificativas para que as mulheres negras sejam a maioria das vítimas e os homens negros a maioria dos agressores. “Nós policiais, nas nossas intervenções, nós matamos mais branco ou preto. Nós prendemos mais branco ou preto? Então, qual é a visão: as mulheres negras vão ter uma balança. Eu não posso tratar o feminicídio como igual, a métrica é diferente para as mulheres negras! As nossas mulheres negras estão sendo assassinadas em maior quantidade e porque elas silenciam mais”, acredita.

Subsecretária estadual de Políticas Públicas para Mulheres, Manuela Nicodemos (Foto: Osmar Veiga)
Subsecretária estadual de Políticas Públicas para Mulheres, Manuela Nicodemos (Foto: Osmar Veiga)

Na oportunidade, a subsecretária de Políticas Públicas para Mulheres, Manuela Nicodemos, lembra a importância das políticas de atendimento às vítimas, que empoderam as mulheres, mas ainda há muito o que se superar, já que Dourados ainda está entre as cidades com mais crimes sexuais do Brasil.

“A gente sabe que há uma subnotificação no caso das mulheres indígenas, então a situação pode ser pior. Precisamos garantir a rede de atendimento, essas mulheres precisam ser identificadas, as que sofrem violência, elas precisam se sentir seguras, entenderem que há um serviço especializado de atendimento e que serão apoiadas”, reforça Manuela.

Por fim, a delegada titular da Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) de Campo Grande, Elaine Benicasa, destaca que a vítima pode chegar a viver no ciclo de violências por até dez anos, até que tome coragem de procurar ajuda. “Independentemente disso, do tempo, temos que estar abertos para entender essa sistemática e quando ela definitivamente resolver denunciar nós temos que estar lá para registrar, acolher e demonstrar todas políticas que estão presentes para que facilite essa saída dela do ciclo de violência”, termina.

Delegada titular da Deam de Campo Grande, Elaine Benicasa (Foto: Osmar Veiga)
Delegada titular da Deam de Campo Grande, Elaine Benicasa (Foto: Osmar Veiga)

O evento “Diálogos para a prevenção: Mulheres Vivas, Feminicídio Zero” faz parte das ações do Agosto Lilás. Instituída por meio da Lei Estadual nº 4.969/2016, as ações têm o objetivo de intensificar a divulgação da Lei Maria da Penha, sensibilizar e conscientizar a sociedade sobre o necessário fim da violência contra a mulher, divulgar os serviços especializados da rede de atendimento à mulher em situação de violência e os mecanismos de denúncia existentes.

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