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Cidades

Vítimas de estupro, mulheres de 11 a 45 anos realizam 20 abortos por ano em MS

Abortamento legal esté previsto em lei, mas quem sofre abuso é quase 100% dos casos

Lucia Morel | 14/03/2022 16:11
Mulher gestante exibe barriga de 8 meses. (Foto: Paulo Francis)
Mulher gestante exibe barriga de 8 meses. (Foto: Paulo Francis)

Aborto. O assunto tabu ocorre pelo menos 20 vezes ao ano em Mato Grosso do Sul de forma legalizada e dentro de hospital, com todos os cuidados sanitários. Maioria das mulheres que busca o serviço foi abusada sexualmente e têm desde 11 anos de idade até uns 45.

O Humap (Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian) é referência nesse atendimento no Estado e é o local para onde as vítimas são encaminhadas quando desejam realizar o procedimento. O médico responsável pelo setor, Ricardo dos Santos Gomes, afirma que nenhum caso é fácil, mas o hospital tem todo o suporte profissional para atendê-los.

“A mulher tem acesso direto ao serviço social, que pega nome e telefone da paciente e, então, a equipe entra em contato para agendar a consulta. Não precisa trazer boletim de ocorrência, porque o que levamos em conta é a palavra da mulher, e ela fica ciente da sua responsabilidade, que, na verdade, se ela mentir, passa a ser crime”, sustenta o médico obstetra, que lembra que além dele, a equipe tem uma assistente social e um psicólogo.

Em 2011, Marielly Barbosa Rodrigues morreu vítima de aborto ilegal feito por enfermeiro em clínica clandestina. (Foto: Arquivo)
Em 2011, Marielly Barbosa Rodrigues morreu vítima de aborto ilegal feito por enfermeiro em clínica clandestina. (Foto: Arquivo)

No Brasil, o aborto legal e marcado é permitido – sem ser considerado crime – em três circunstâncias: quando a gravidez é de risco à vida da gestante; se a gravidez é resultante de violência sexual; e em caso de anencefalia fetal, conforme o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu em 2012.

Segundo Gomes, no entanto, 99% dos casos atendidos no Humap são decorrentes de estupro. Tanto que, de 2017, quando o serviço se efetivou no hospital, até hoje, que ele se lembre, houve apenas dois casos diferentes: um de anencefalia e outro em que a vida da mãe corria risco.

Ricardo comenta que, durante a pandemia, aumentou o número de mulheres que buscaram o serviço de aborto legal, inclusive, com mudança do perfil da vítima de abuso, que, até então, havia sido, em sua maioria, estuprada por desconhecido. Com a pandemia, quase 100% das mulheres foram violentadas por conhecidos e dentro de casa.

Isso, independentemente da idade da vítima. Tivemos de adolescente que vinha de processo de abuso crônico, que sofria há um ano ou mais, até mulheres mais velhas violentadas por seus parceiros ou ex-parceiros, e até caso de sexo consentido, mas que o parceiro retirou o preservativo na hora”, enumera.

Ele lembra, com pesar, que já atendeu crianças grávidas de 11 e 12 anos de idade, ambas do interior de Mato Grosso do Sul, até mulheres de 45 anos. Mas a média de idade, conforme o médico, é de vítimas em torno de 30 anos. “Para todas, é feito acompanhamento durante e depois do procedimento, e é orientado que se procure um psicólogo fora, para tratamento prolongado.”

O aborto legal só pode ser feito com o feto de até 22 semanas ou peso máximo de 500 gramas, segundo o Ministério da Saúde. “Acima disso, é aborto criminoso”, explica o médico, afirmando ainda que quanto antes a mulher buscar o serviço, mais fácil será o procedimento. “O período mais seguro é com feto de até 12 semanas”, afirma.

O profissional reforça ainda que se lembra de ter atendido dois casos com feto acima de 20 semanas, quando o procedimento tem maior complicação. Um deles de uma indígena de 13 anos que estava com 30 semanas de gestação e foi levada por parentes para o atendimento. Ele decidiu manter a gestação.

Na outra situação, mulher estava com 33 semanas e ela achava que a criança era fruto de um estupro, mas refazendo as contas do período de gestação e com exames, “chegamos à conclusão de que ela já estava grávida quando foi abusada”, conta Ricardo.

Opções – As mulheres que querem fazer o aborto após serem estupradas têm duas opções para evitar a gestação ou, depois disso, a convivência com a criança que nasceu dessa violência: pílula do dia seguinte ou adoção legal.

No caso do medicamento, ele está disponível em todas as unidades públicas de saúde e deve ser ingerido até três dias após a violência. Já a adoção legal é projeto da Vara da Infância, Juventude e do Idoso, cujo nome é "Dar à luz", que pode ser acessado aqui.

Na página, o projeto enaltece que é "importante ressaltar que não é crime dar o filho para adoção. Crime de abandono de incapaz é, por exemplo, deixá-los na rodoviária, em portas de residências alheias ou em terrenos baldios".

Denúncia – Os procedimentos realizados no Humap devem ser registrados para fins de investigação. No caso, é preciso fazer o armazenamento do material genético e do feto para identificação do autor, somente nos casos de estupro. Caso não haja boletim de ocorrência registrado por mulher maior de idade e capaz – pessoa não vulnerável – não há obrigatoriedade de encaminhamento do material à perícia.

Serviço - Quem quiser buscar o serviço no Hospital Universitário basta ligar para os números 3345-3066 ou 3345-3062.

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