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Campo Grande 116 Anos

Um dos mais antigos, condomínio tem até salão para mimar as moradoras

Flávia Lima | 07/08/2015 08:00
Considerada artigo de luxo na época da construção do condomínio, reúne  netos dos primeiros moradores. (Foto:Vanessa Tamiris)
Considerada artigo de luxo na época da construção do condomínio, reúne netos dos primeiros moradores. (Foto:Vanessa Tamiris)

Talvez pela arquitetura de linhas retas, sem firulas ou adornos, à primeira vista o enorme condomínio Coophamorena passa a impressão de frieza e impessoalidade. No entanto, além dos traços inspirados no modernismo do anos 70, estão 38 anos de histórias fazem parte do desenvolvimento da região central de Campo Grande.

Localizado no bairro Rosa Pires, o conjunto de 21 blocos e 168 apartamentos, ocupa 2,5 hectares do quadrilátero que compreende as ruas Joaquim Murtinho, Monte Belo, Nabuco de Araújo e Chaadi Scaff e geralmente atrai a atenção apenas dos apaixonados pela história arquitetônica da Capital.

Criado em 1976 pelo arquiteto Antonio Luiz de Souza, que na época trabalhava na Construmat, empresa que chegou a ser uma das cinco maiores do país, o condomínio foi totalmente inspirado na objetividade e onda modernista dos anos 70, que buscava a funcionalidade, no lugar das linhas arrojadas. Após a aprovação do projeto no ano seguinte, a obra teve início e em 1978 chegaram os primeiros moradores.

A tipologia, segundo o arquiteto e historiador Ângelo Arruda, era novidade na Capital. O que mais chamou a atenção de quem via o empreendimento nascer, era sua construção sobre pilastras, criando uma garagem com vaga até para dois carros. “Na época não existia um prédio assim. Ele foi um dos cinco primeiros com esse desenho. Depois veio o Cachoeirinha, que também foi feito pela mesma construtora e foi considerado o primo rico do Coophamorena, porque os apartamentos ganharam um banheiro a mais que valorizou os apartamentos”, conta o arquiteto.

O Coophamorena podia não ser a coqueluche entre os empreendimentos da construtora, mas atraiu muitos compradores interessados em ter um apartamento na região devido ao boato de que ali na esquina seria erguida a sede do novo Estado, criado há menos de um ano.

Quem conta a história é o ex-funcionário público Celso Martins, que comprou uma das unidades ainda na planta. “A gente vinha aqui olhar a obra no meio do barro. Não tinha nada na região. Eu morava no centro de Iguatemi e acreditava que iria morar no centro da Capital também”, lembra a mulher de Celso, a dona de casa Umbelina Leite Martins, que admite ter tido um certo desapontamento quando o marido mostrou onde o casal recém-casado iria morar.

“Ainda bem que não reclamei na época porque hoje sou apaixonada por este lugar”, afirma. Com ar nostálgico e brincalhão, Celso conta que a promessa de ser vizinho do gabinete do primeiro governador de Mato Grosso do Sul levou vários políticos a comprar um apartamento no Coophamorena. De acordo com suas lembranças, ele chegou a ser vizinho dos prefeitos de Iguatemi, Caarapó, Tacuru, Maracaju e Eldorado.

Como um dos primos de Celso trabalhava na construtora, ele teve o privilégio de escolher um dos melhores apartamentos, sem precisar passar por um sorteio. “Não cita isso senão é capaz de me tomarem o apartamento”, brinca. A promessa de ter como vizinha a sede do governo não se concretizou, mas a amizade com os moradores que também viam a região como promissora, foi criando alicerces que acabaram transformando o condomínio em uma grande família.

“Mesmo quem chegou mais tarde acabou se apaixonando pelo lugar e hoje não muda por nada”, diz Celso. Talvez se encontrassem o lugar como há 38 anos atrás declinariam da ideia de construir uma família no local, porém, animados com a nova Capital, que surgia imbuída em um espírito de prosperidade, os primeiros moradores também incorporaram a alma desbravadora e decidiram apostar na região.

A ponte de madeira, que mais parecia uma pinguela, na atual Avenida Fernando Correa da Costa, o pasto onde hoje é a praça Itanhangá e a falta de acessos, como a Rua Chaadi Scaff, que não existia, não desanimaram os pioneiros do condomínio. “O centro parecia tão longe e hoje a gente não leva mais de meia hora de caminhada”, conta Umbelina.

O cenário de um lugar inóspito já não faz parte das lembranças da dona de casa Simone Magalhães, que chegou em Campo Grande com o marido Argemiro, há 23 anos. O casal veio de Curitiba, animado também pela promessa de desenvolvimento de Campo Grande e do novo Estado. Apesar dos contratempos financeiros que tiveram logo na chegada, os dois não desistiram e escolheram o condomínio para criar os filhos Rodrigo e Monica, que na época tinham 6 e 12 anos, respectivamente.

Quando chegaram, a região já era melhor estruturada, com comércio, ruas asfaltadas e o centro já não parecia tão longe. Enquanto o marido batalhava o sustento da família, passando por empregos em uma concessionária de automóveis e depois como assessor político, Simone agregava novos amigos no condomínio. “Além da localização é por causa deles que nunca pensei em vender meu apartamento”, ressalta.

Conforme chegavam mais moradores, o prédio também evoluía, passando por reformas e melhorias. Os filhos dos casais cresciam brincando no playground e na piscina, artigo de luxo na época, que chamava a atenção em um empreendimento considerado popular.

“Não tinha gradil, nem muro quando cheguei aqui em 1982. O chão era de pedrisco e a própria Construmat fez alguns sobradinhos na Rua Nabuco de Araújo para ajudar na valorização do local”, conta o arquiteto Ângelo Arruda, também morador do Coophamorena.

Mas ao longo de quase 40 anos, o condomínio não atraiu só famílias. Solteiros também vislumbraram o crescimento do bairro e escolheram o Coophamorena para morar. Foi assim com o gestor em marketing Arnaldo Venturelli, morador do condomínio desde 1986.

Buscando maior segurança após sofrer um assalto, ele chegou ao prédio através de um amigo, que avisou sobre um apartamento à venda. No dia seguinte Arnaldo já estava com a mudança no local. Sempre sozinho, rápidas também foram as amizades que surgiram com a mudança. São tantas amizades na região, que sua vida social ficou restrita praticamente em torno do prédio. “Quando chega sexta-feira deixo o carro na garagem e só tiro na segunda. Tudo o que eu preciso tem aqui, é só atravessar a rua”, afirma.

O conforto ficou maior depois que reformou o apartamento. A sala ganhou uma amplitude maior e a unidade recebeu piso e pintura novos. “A convivência aqui é tranquila. Como não tenho família, nunca senti necessidade de um espaço maior”, explica.

Simone Magalhães (esq.) e a amiga de mais de 20 anos, Umbelina Martins, não passam um dia sem conversar na garagem. (Foto:Flavia Lima)
Simone Magalhães (esq.) e a amiga de mais de 20 anos, Umbelina Martins, não passam um dia sem conversar na garagem. (Foto:Flavia Lima)
O salão do condomínio é ponto de encontro de antigas e novas amizades. (Foto:Flávia Lima)
O salão do condomínio é ponto de encontro de antigas e novas amizades. (Foto:Flávia Lima)

Pontos de encontro – Basta circular por alguns minutos à tarde pelas dependências do condomínio para entender o motivo do clima familiar que une os moradores. Uma das razões é o salão de beleza que existe dento do Coophamorena Mais do que um mimo para as moradoras, ele se transformou, ao longo dos anos, nem um ponto de formação de novas amizades, já que também é aberto a clientes que residem fora do condomínio.

A cabeleireira Delma Rodrigues Alegra trabalha há 20 anos no espaço e nem pensa em mudar para um local próximo de sua casa, no Bairro Tiradentes. Para ela, o maior benefício de atender em um condomínio é a segurança. “Aqui a gente não sofre assaltos e eu só trabalho com clientela marcada e indicada pelas moradoras”, ressalta.

O público seleto fez com que construísse amizades duradouras, como a que tem com a psicóloga Ide Crispim, que há dez anos mora no prédio. “Sempre olhava o lugar e dizia que um dia moraria aqui”, conta Ide. A profecia se realizou e ela se mudo com o filho, que estudava na região. “Era só atravessar a praça que ele estava na escola e para mim, que até maio trabalhava no Parque dos Poderes, também era mais rápido estar em casa na hora do almoço”, afirma.

Aposentada desde maio, agora ela desfruta com mais tranquilidade do salão. “Aqui foi o lugar que escolhi para aposentar. Já tive proposta para vender, mas não saio por nada”, revela. Mesmo quem não mora no prédio é recebida de braços abertos pela família do Coophamorena. É o caso da agente administrativa Maria Tereza Sampaio, que há cinco anos chegou ao salão do prédio, indicada por uma amiga.

“Só não cogito comprar um apartamento aqui porque pretendo voltar para o interior, mas estou sempre aqui porque tenho várias colegas que frequentam a mesma paróquia. É como se fosse minha segunda casa”, conta.

Além do salão, as garagens dos blocos também se transformam, toda tarde, em alas de convívio social e acabam se tornando uma extensão da sala de visitas de alguns moradores. Pelo menos é assim no bloco das amigas Umbelina e Simone Magalhães. Após encerrarem o expediente matutino, como gostam de brincar, as amigas levam cadeiras e o tradicional tereré para a garagem e passam a tarde jogando conversa fora e lembrando as histórias que já viveram no prédio.

E o momento de lazer pede traje a rigor. As duas não dispensam uma boa maquiagem, cabelos arrumados e vestido impecável. É o reflexo do prazer de morar perto de quem ama e da família de agregados, que cresce a cada dia, através dos inquilinos. E nenhum novo morador passa despercebido. Amantes de animais, as duas conversam com todos os donos de cães e se interessam também pela vida dos bichanos, afinal, a família do Coophamorena tem seu lado eclético.

A síndica Rose Martins diz conhecer cada morador "só pelo jeito de andar". (Foto:Flávia Lima)
A síndica Rose Martins diz conhecer cada morador "só pelo jeito de andar". (Foto:Flávia Lima)
"Pulso firme" da síndica Rose Mary garante a conservação d condomínio. (Foto:Vanessa Tamiris)
"Pulso firme" da síndica Rose Mary garante a conservação d condomínio. (Foto:Vanessa Tamiris)

Ordem na casa - No entanto, morar em uma grande família também tem seus momentos de estresse e para contornar todas as saias justas que aparecem, além de oferecer o ombro amigo, está a síndica Rose Mary Martins Viçoso, que de tanto lidar com clientes na Enersul, decidiu encarar, há dez anos, o desafio de gerenciar o condomínio, que hoje conta com cerca de 600 moradores.

O jeito tranquilo, porém firme de Rose, agradou os moradores, que a respeitam como a matriarca da família. Quando recorda o passado, Rose não imaginava a longa carreira que construiria no Coophamorena. Vinda de São Paulo com a família, ela chegou a morar na região central da Capital, mas foi parar no condomínio nos anos 90, após o pai ganhar na Loto o equivalente a R$ 20 mil na época.

O casamento fez com que ela se mudasse com a nova família para o Bairro Rita Vieira, mas a estadia não durou muito. Com a doença dos pais, ela voltou para o Coophamorena. Para os filhos foi uma alegria, já que eles estavam acostumados com os colegas do local, pois ficavam lá todas as tardes enquanto os pais trabalhavam.

"Sempre gostei daqui porque meus filhos eram livres e é seguro", afirma. Contrário a realidade do Rita Vieira, onde sua casa chegou a ser assaltada cinco vezes. "Hoje em dia é difícil confiar nas pessoas. Nem penso em sair para outro bairro, onde não conheço ninguém", afirma

O cargo de síndica vai além dos problemas relacionados a reformas e condomínios em atraso. Muitas mães acabam confiando à ela a responsabilidade dos filhos em uma emergência. "Como todo mundo se conhece, é normal ajudar a olhar o filho de alguém quando os pais precisam dar uma saída rápida", diz.

Formada em Administração, a experiência em trabalhar com o público transformou Rose em uma espécie de psicóloga. "Conheço todo mundo. Só pelo jeito de andar sei se a pessoa está de bom humor ou triste", confessa. E para os momentos onde o mau humor prevalece, a receita é ter paciência, como em qualquer família.

Com formas retas e objetivas, Coophamorena retrata tendência dos anos 70, que também se enquadra na contemporaneidade. (Foto:Vanessa Tamiris)
Com formas retas e objetivas, Coophamorena retrata tendência dos anos 70, que também se enquadra na contemporaneidade. (Foto:Vanessa Tamiris)
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