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Capital

“Falam que é drama”, criticam alunos sobre depressão sem ajuda em escola

Relatos de colegas e mãe de César, adolescente de 14 anos que cometeu suicídio, indicam necessidade de mudar ambiente escolar

Izabela Sanchez e Thailla Torres | 05/08/2019 14:33
Na ausência do abraço do melhor amigo, adolescente aperta os braços ao contar sobre o suicídio (Foto: Henrique Kawaminami)
Na ausência do abraço do melhor amigo, adolescente aperta os braços ao contar sobre o suicídio (Foto: Henrique Kawaminami)

"Eles falam que é drama, coisa de adolescente, não acreditam na gente", reclamam adolescentes sobre a falta de atenção aos alunos dentro da escola. Eles são parte de uma trajetória de depressão, que muitas vezes antecede o suicídio. Desta vez, as palavras são “do melhor amigo” de César, 14, que tirou a própria vida no dia 28 de julho, sobre o lugar onde estuda, a Escola Estadual Rui Barbosa, no Bairro Santo Antônio.

César se foi deixando por aqui o amor imenso da mãe, da família e dos amigos, mas também, entre os seus, deixou o questionamento sobre o ambiente onde passava, ao menos, metade do tempo e onde muitos adolescentes passam o dia inteiro: a escola.

Ficou no passado, ou ao menos deveria, a época da desinformação e dos muitos mitos sobre os sofrimentos mentais. Hoje, já se sabe que a depressão é a doença do século e o suicídio entre jovens, uma escalada crescente. Em 2018, 91 crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos tentaram o suicídio em Campo Grande.

Entre as tentativas, as meninas representam a maior parte. Dados da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) mostram que dos 91 casos, 84 eram meninas, enquanto 7 eram meninos. Entre adolescentes e jovens de 15 e 19 anos, o gênero feminino também representa a maioria dos casos.

Depois que um amigo se vai - Ausência nas aulas, rendimento que cai e choro em sala de aula podem ser alguns dos sinais e foram, no caso de César e seus amigos, indícios quase gritantes para que a equipe da Escola Estadual Rui Barbosa, prestasse atenção. Para lá, César não volta mais. A morte da namorada, de 12, que também tirou a própria vida, parece ter sido o gatilho final para o que ocorreu no dia 28 de julho. Ainda assim, é para a escola que os amigos tem que voltar.

"Meus colegas falaram que apenas conversaram com os alunos em sala de aula, mas não tem nenhuma psicóloga... Eles falam que é drama, coisa de adolescente, não acreditam na gente" , diz o melhor amigo, de 14, em tom que indica já não esperar sensibilidade no ambiente escolar. "Tem uma professora que até ajuda, procura ouvir a gente e aconselha buscar uma psicóloga, mas a coordenadora não. Ela não está nem aí”, diz.

A forma como a morte de um amigo, ou mesmo colega, atinge os outros alunos é outra face do problema e também outra demanda para mais empatia e preparo de professores, diretores e coordenadores para lidar com a saúde mental dos alunos.

Em março, Paola Lopes, coordenadora da recém criada CPED (Coordenadoria de Psicologia Educacional), afirmou, em entrevista ao Campo Grande News sobre o tema, que a presença de psicólogos nas escola “ainda é sonho distante”.

Um psicólogo poderia, por exemplo, entender o universo às vezes tão fechado dos adolescentes, que hoje envolve um desafio ainda maior: as redes sociais. Há toda uma sociabilidade e rede de contatos que crianças e adolescentes desenvolvem, muitas vezes sem que os próprios pais saibam. Era pelas redes grande parte da relação entre César e a namorada, cujo sofrimento psicológico afetou o adolescente.

Sem informação de como buscar ajuda, batendo de cara na demora e burocracia para agendar psicólogo e psiquiatra na rede pública, é com os amigos que os adolescentes buscam ajuda. “Somos amigos há 4 anos. Ele falava só que queria atenção. Umas duas ou três vezes [falou em se matar]. A gente estava andando e do nada ele começava a falar da vida dele, que estava cansado”, conta o amigo.

Patrícia Romero, mãe de César (Foto: Henrique Kawaminami)
Patrícia Romero, mãe de César (Foto: Henrique Kawaminami)

Reações - Agora, entre eles, sofrimento, desespero e reações que incluem “quebrar o quarto inteiro”, põe medo nos pais. “O César recebeu muito apoio dos colegas e os amigos dele estão sofrendo muito. Tem um vizinho que nem estava indo para a escola. Outro colega disse pra mim que foi chamado na secretaria porque não consegue ficar na sala sem chorar. Muitas mães pedindo para abonar falta, porque os alunos não estão conseguindo ir”, conta a mãe de César, Patrícia Romero.

O que Patrícia conta, sobre o diálogo com os responsáveis pela escola, mostra despreparo e falta de empatia:

- Eu fui na escola e falei que o meu filho estava com problema de depressão, que tinha perdido a namorada: ‘então eu quero que vocês entendam que ele está com problema’. Aí a escola falou: ‘não, tudo bem, nós vamos falar com o menino’. No outro dia, meu filho foi para a escola e a colega deles chamou eles, falou que não estava se sentindo bem, que não queria ficar na escola e vieram para a minha casa. No outro dia a escola chamou ela, separado dele, e chamaram meu filho. A diretora falou para o meu filho que eu ia perder a guarda do meu filho e que a escola poderia me processar por ele ter saído com uma menina de dentro da escola. Quando ela falou: ‘nós vamos chamar a sua mãe’, meu filho entrou em desespero, ele começou a chorar: ‘não chama minha mãe, porque a minha mãe já está sofrendo demais, eu estou indo no psicólogo, estou indo no psiquiatra, eu preciso de ajuda, minha namorada se matou há pouco tempo’. Sabe o que a diretora falou? ‘Morreu, morreu’.

Depois do relato, a mãe é interrompida pelo choro e em seguida, vem a revolta. “A escola não tem um apoio. Não tem ninguém que vai chegar lá e vai falar que o seu filho está doente e eles eram só amigos. Meu filho não queria ir mais pra escola, eu já tinha procurado outra. Na segunda-feira a diretora da outra escola me ligou: Patrícia, eu consegui a vaga pro César. Eu falei assim: ‘não precisa mais’”.

O que diz a SED – A SED (Secretaria Estadual de Educação) emitiu, por meio da assessoria de imprensa, nota sobre o assunto e informou que a Escola Estadual Rui Barbosa está elaborando um Plano de Ação depois do caso de César. Conforme a nota, o objetivo é que o plano seja colocado em prática “no menor tempo possível”.

“Em casos pontuais, para que a escola prossiga como um lugar de proteção e promoção de direitos, se faz necessária a articulação com os serviços ofertados pelas unidades da rede socioassistencial, a fim de complementar o trabalho desenvolvido pela equipe educacional. Parte dessa atuação consiste na criação de um Plano de Ação específico, já em fase de elaboração, e que deverá ser colocado em prática no menor tempo possível”, diz a nota.

Segundo a nota, o objetivo do trabalho é reduzir “possíveis impactos e a identificação de acompanhamentos individualizados, se necessários, de modo a assegurar os direitos dos dos estudantes, bem como a garantia da sequência do processo de aprendizagem, de maneira significativa”.

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