A casa que, por causa da droga, virou um lixão e o policial que tenta ajudar
Um lugar imundo, cheio de lixo, com restos de comida e, no meio da bagunça, fezes humanas. Logo na entrada da casa, que fica na Morenhinha II, a sujeira chega a dar náuseas, e de cara a gente se pergunta como alguém consegue viver ali. Mesmo com o caos, o dono do imóvel, um homem de 35 anos e a companheira de 27 anos, ambos usuários de droga, vivem no mais fiel retrato do abandono e do repúdio.
O dono da casa, uma herança de família, e sua companheira estão há mais de dois anos nessa situação, vivendo no lixo. São usuários de pasta-base de cocaína. A casa reflete o estágio a que chegaram os dois, por causa da droga.
"Ele não está aqui porque deve ter ido atrás de droga. Ele é doente precisa de tratamento e eu sou mais louca ainda porque estou aqui", diz a mulher, sobre o fato de o companheiro não estar na casa.
Durante um tempo sem água, os fundos da casa viraram uma latrina a céu aberto. O mau cheiro incomoda até os moradores mais distantes e a situação da residência virou caso de polícia.
Mas o que poderia terminar de forma trágica, por envolver desavença entre vizinhos, foi resolvido, temporariamente, com o trabalho de mediação, por meio da filosofia da polícia comunitária da 4ª Delegacia de Polícia Civil.
Na manhã de quarta-feira (19), funcionários da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) retiravam a sujeira, o lixo e o entulho que serviam de depósito para dengue.
“É um alívio”, disse o aposentado Luiz Carlos, 76 anos, que mora bem ao lado da casa problema. Ele conta que já é a terceira vez que a prefeitura precisa intervir na desordem e imundice. “Outras duas vezes a caçamba da prefeitura veio aqui e recolheu tudo porque a gente não aguentava mais”, contou o aposentado que mora no local há mais de 30 anos.
Segundo Luiz, em um dos episódio contra os vizinhos o proprietário do imóvel ficou agressivo e se revoltou, mas nenhuma violência aconteceu já que Luiz garante ser da paz. "Eu não faço nada porque sou evangélico e vou levando com jeito".
Responsável direto pela mediação entre os vizinhos e desenvolvendo um trabalho de tirar o chapéu, o investigador da Polícia Civil Francisco de Melo conta que da última vez os moradores foram até a delegacia dizendo que não aguentavam mais o mau cheiro da casa. “Eu vim até aqui e dei uma semana para que o dono fizesse a limpeza. Ele não achou que eu voltaria, mas eu voltei e estava tudo do mesmo jeito”.
Melo conta que orientou os vizinhos para que fizessem um abaixo-assinado que depois foi levado para o Posto de Saúde do bairro. De lá, o documento chegou ao setor de epidemiologia da Sesau que mobilizou o caminhão para recolher a sujeira.
“Eu voltei na casa dele e expliquei a situação. Pedi para que ele assinasse um termo dando autorização para que nós entrássemos na casa para limpar. Ele aceitou”.
Na quarta-feira, logo cedo, o caminhão da Sesau estava transbordando e os funcionários tiraram um pouquinho de tudo de dentro do imóvel.
"Não é só o resíduo. São pessoas que precisam de um tratamento, são usuários de droga. O problema precisa ser resolvido pela raiz", destacou o gerente técnico do PNCD (Programa Nacional de Controle da Dengue) Mauro Lúcio Rosário.
Segundo Mauro Lúcio, o trabalho da Sesau é retirar entulhos que acumulem água e provoquem a proliferação do mosquito da dengue, ou ainda que causem a reprodução de outros mosquitos como o da leishmaniose.
Conforme o gerente, será entregue junto a SAS (Secretaria de Assistência Social) um relatório situacional para que o órgão faça o acompanhamento dos moradores. "Essa não é a função da Sesau, só viemos porque o entulho acumula água, senão seria trabalho direto para SAS".
O investigador Francisco acrescenta que o trabalho na casa de Wilson é paliativo. "É necessário mobilizar o poder judiciário para resolver a situação".
Conflitos: Entre 50% e 60% dos Boletins de Ocorrência registrados na Polícia Civil são causados por "pequenos conflitos", como afirma o investigador. "Se não são resolvidos, eles podem gerar grandes situações que envolvem todo o sistema".
Segundo Melo, 92,5% dos homicídios começam em pequenos problemas. "Quando se atua antes que algo aconteça, a gente evita que o pior ocorra".
Propondo a existência de um núcleo de mediação, integrado com a polícia, que seja desenvolvido em associações de moradores ou outras entidades, Francisco garante que a filosofia de polícia comunitária é o que acontece nos países de primeiro mundo. "No japão, nos primeiros dois anos o policial só trabalha com conflitos comunitários".
Identificar, priorizar e resolver junto a comunidade são os princípios que Francisco desenvolve diariamente. 'Meu trabalho é como de um beija-flor, levando a gotinha de água, fazendo minha parte, com a consciência tranquila".
Já conhecido como o policial comunitário, Francisco diz levar os valores cristãos a todo instante. "Não saio de casa sem ler a bíblia, sou catequista, ministro da Eucaristia e me envolvo mesmo. Tem muita gente que precisa".
Apesar do belo trabalho, ele sabe que situações como a casa da Moreninha II existem em vários pontos da cidade.
O que fica entre os vizinhos é a sensação de que a qualquer hora o caos volte. "Daqui a pouco eles vão ficar sem água de novo e pode ser que volte tudo de novo, se nada for feito de verdade", lembrou Luiz Carlos, o vizinho que sofre ao lado.