Aos 38 anos, João Paulo foi levado pela covid-19, mas deixou missão cumprida
Sem nenhuma comorbidade, técnico de enfermagem deixa legado de amor à família e ao próximo
Vinte anos de profissão, de casamento e apenas 38 de vida. João Paulo Rodrigues da Matta, por tudo que se ouve e se lê sobre ele, parece ter vivido bem mais que isso, o que comprova a intensidade de seu tempo na terra.
Parado pela covid-19 em 28 de julho, foram 17 dias de luta intensa para que o vírus não o vencesse, mas pelas palavras da própria esposa, João se foi porque “cumpriu sua missão”.
Técnico de enfermagem, João era conhecido e querido em Campo Grande. Há chuva de homenagens nas redes sociais, de amigos, colegas de trabalho e de fé. Especializado no atendimento a pacientes com câncer, ele lutava por uma enfermagem humanizada, como lembrou a esposa, Luciana Franco da Matta, 37 anos, professora.
Profissional dedicado, cresceu na área com muito esforço, conforme a esposa, e conseguiu alcançar seus objetivos fazendo o que amava: cuidar de pessoas.
“Ele atendia os pacientes em qualquer horário que ligassem, ele atendia. Tinha muito amor ao seu ofício, à sua profissão”, destaca Luciana.
Ela lembra que o marido se preparava para disputar uma vaga na Câmara de Vereadores nas eleições deste ano e que lutava por uma saúde mais humanizada. “Ele ia lutar por uma enfermagem mais humanizada”, destaca, afirmando que pelo seu exemplo, deixa um legado de amor à família e ao próximo.
E foi em família o surgimento do vírus. Entres os dias 11 e 12 de julho todos da casa – João, esposa, filha de 16 anos e filho de 12 – começaram a apresentar sintomas. João foi o primeiro a fazer o teste para saber se era coronavírus, o que foi confirmado no dia 14 de julho.
A partir daí, ele começou a tomar toda medição prevista em protocolo para os sintomas da doença, desde a hidroxicloroquina, até azitromicina, sulfato de zinco, ivermectina e a vitamina D3. Mas a doença avançou e em 17 de julho ele, já com falta de ar, foi parar no hospital, com saturação (oxigenação do sangue) em 89%, bem abaixo do 93%, considerado limite.
“Ele foi só agravando”, comentou Luciana, lembrando que os medicamentos, ao menos no caso de João, “não ajudaram em nada” e que ele apresentou “febre todos os dias”.
João foi ao hospital na noite de sexta, dia 17, “porque não aguentava mais” e segundo a esposa, o marido esperou para buscar atendimento médico, porque aguardava que as medicações fizessem algum efeito, já que a administração é por cinco dias.
No Hospital Unimed, ele de deparou com a falta de vaga e foi encaminhado para o Proncor, onde ficou recebendo oxigênio na enfermaria. Seis dias depois, em 23 de julho, precisou ser entubado, porque o quadro agravou.
“Ele não tinha nenhuma outra doença, era extremamente saudável, forte, tinha uma boa imunidade, nem dor de cabeça ele sentia e sempre praticava esportes”, afirmou Luciana, sem ter uma explicação técnica sobre a razão do organismo de João não ter resistido à covid-19. “Os exames de sangue dele estavam todos alterados”, comentou.
Para ela, não há como saber onde o marido foi infectado, até porque, por trabalhar com pacientes oncológicos, todos os cuidados que ele tinha eram redobrados. “O vírus é invisível, não faço ideia de como pegamos a doença”.
Despedida – Antes de ser entubado, João mandou uma mensagem à esposa, dizendo que a amava e que estava com saudades. A esposa então ligou para ele, mas como ele estava com máscara de oxigênio, não conseguia falar e emocionado, desligou a ligação. Luciana chora ao lembrar.
A família então, junto com amigos e parentes, fez um vídeo e enviou a ele. João assistiu pelo celular da enfermeira que o atendia e segundo a esposa, “ele ficou bem emocionado”.
A profissional então ligou para Luciana, para que ela fosse buscar a aliança, já que na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) ele não poderia ficar com o objeto. Pela enfermeira ele pediu que avisasse que “ia ficar tudo bem e que amava muito a gente (esposa e filhos)”, relembra Luciana, chorando.
Segundo ela, duas situações da vida do marido precisam ser registradas: o amor entre ele e ela e o reencontro com um irmão, que ele não conhecia.
“Nossa história de vida é linda. Casamos eu com 18 e ele com 19, crescemos juntos, 20 anos juntos, mais da metade da nossa vida foi um ao lado do outro. Tudo que conquistamos foi com muito amor e com muito esforço”, sustentou.
Sobre o reencontro com a irmã, Luciana diz que foi emocionante e era algo que por anos era sonhado pelo marido. “Ele conheceu o irmão dele depois de 37 anos. Uma cunhada que o achou em São Paulo. Quando ele conheceu o Felipe Augusto, fizemos festa e inclusive, a mãe deles não o conhecia”.
Por tudo isso, Luciana acredita que o marido morreu “satisfeito” com tudo que viveu e construiu. “Sou cristã. Acredito que pra tudo há um propósito. Se nós quatro pegamos, por que só ele piorou? É um propósito de Deus, ele cumpriu a missão dele aqui nessa terra”.