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Capital

Após surto e "viagem com Deus", Onísia procura nova história longe do tráfico

Do vício à prostituição, a mulher conta que buscou acolhimento da SAS para deixar o histórico no passado

Aletheya Alves | 27/05/2021 07:55
Onisia Figueiredo Pereira, de 51 anos, está há 5 meses em centro de acolhimento. (Foto: Marcos Maluf)
Onisia Figueiredo Pereira, de 51 anos, está há 5 meses em centro de acolhimento. (Foto: Marcos Maluf)

Acolhida há cinco meses, Onisia Figueiredo Pereira, de 51 anos, tenta superar os 39 anos de vício, marginalidade e histórico de crimes. Em meio a um surto após usar pasta base na região da antiga rodoviária, ela conta que teve uma “viagem” com Deus e foi parar em um dos centros de acolhimento da SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social).

Hoje, ela acorda diariamente às três horas da manhã na Escola Municipal Professora Maria Regina de Vasconcelos Galvão, que tem sido seu lar, e fica pronta para entrar no serviço apenas às 13h. Onísia é uma das histórias que estão sendo reescritas a partir da pandemia, que obrigou o Poder Público a ampliar os abrigos para moradores de rua e dependentes químicos.

Sem saber colocar as palavras no papel, a mulher relata que aprendeu apenas a ler e contar números, isso devido à vida no tráfico. A partir dos 12 anos, seu caminho começou a incluir cheirar cola e fumar maconha, tudo isso na rua. “Minha mãe me levou para o Conselho Tutelar, mas eu ficava internada e não continuava lá. Com 16 eu já fui para a cocaína”, disse.

Dentro das narrativas do vício, ela conta que depois de cocaína e pasta base se tornarem cotidiano, se viu com facas na mão e atrás das grades. “Eu ia para delegacia, saía. Até que fui presa e puxei uma cadeia de nove anos por um latrocínio que fizeram, mas eu participei gastando o dinheiro”, disse.

Depois disso, os retornos aos presídios ocorreram também por tráfico e tentativa de homicídio. “Tudo envolvendo a pedra, eu viciei nela. Por isso me prostitui por muitos anos e roubei”. Como uma espiral desde os 16 anos, os pontos de virada para Onísia se realizavam no cenário conhecido pelo imaginário campo-grandense: a antiga rodoviária.

Tráfico, prostituição e paz - Hospedada em um dos hotéis próximos da antiga rodoviária, há cerca de cinco meses, Onísia completava mais um ciclo de dez dias sem se lembrar de como era não estar drogada. “Eu estava muito louca com uma faca na mão e quem passasse na minha frente eu queria machucar, queria me machucar também”, relembra.

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Eu passei por uma porta e viajei com Deus. Falei poxa, você ajuda todo mundo. Por que não eu? Aí apareceu uma colega e me chamou para fumar. Eu disse que não queria, que queria ajuda mas não queria ficar presa e ser dependente de remédio, Onísia explica.

Hoje, em um dos acolhimentos temporários da SAS, ela conta que se lembra do que costumava viver apenas para tentar seguir distante. “Conheci a rodoviária velha com 16 anos. Fiz parte de facção lá dentro da prisão e aqui fora. Para sair dela, você só sai para uma igreja ou pede sua morte”.

Mesmo depois de ir para clínicas religiosas, ela conta que até há cinco meses não queria ajuda. “Não conheci a calçada, não conheci o chão da rua. Eu achava que era esperta tirando o que era dos outros. Entrava com um homem para o quarto e deixava ele sem nada”, comenta.

Distante da visão que tinha dos hotéis em que ficava hospedada, com "homens, droga, dinheiro, tudo o que você quiser", como ela diz, hoje suas paredes são feitas de cobertores que tentam retirar as características da sala de aula.

Unindo o tráfico à prostituição, Onísia explica que não deixou o crime para trás por medo de morrer, mas por não conseguir ter paz. “Besta de quem achar que o tráfico, a vida ali fora é ótima, porque é uma ilusão de cinco minutos. Eu não ganhei nada, porque tudo o que você tem não é seu. Hoje eu ganhei esse quarto aqui e o emprego que tenho”.

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Eu dormia pensando se o traficante ia vir no outro dia, não conseguia descansar. Eu fui trazida de Corumbá escoltada pela minha família de tão magra que estava, Onísia relata.

Relembrando sobre a morte da mãe, que aconteceu enquanto Onísia estava presa por tráfico, a mulher conta que a “pedra” tinha sido sua vida até então. “Perdi minha mãe tem pouco tempo, pouco mais de um ano. Toda vez que eu falava com ela pelo telefone, ela falava “vem cuidar de mim” e eu não consegui largar a pedra”, diz.

Linhas a serem escritas  - Da mesma forma que conta ter entrado em outro mundo pela cocaína, Onísia reafirma que relembrando os efeitos da droga consegue buscar outras possibilidades.

“Tenho abstinência, lido fazendo serviço e trabalhando o dia inteiro. Falei que nunca mais ia usar droga e tô há cinco meses livre. Se eu quiser voltar e fumar, eu volto porque não sou presa aqui. Mas eu dou muito valor ao que tô ganhando. Tô feliz aqui”, reafirma.

Emocionada, Onísia relembra que estava presa enquanto a mãe morria. (Foto: Marcos Maluf)
Emocionada, Onísia relembra que estava presa enquanto a mãe morria. (Foto: Marcos Maluf)

Agora, ela conta que precisa se desprender do seu histórico para começar a escrever suas linhas. “Eu preciso aprender a lidar com meu dinheiro, economizar. Não quero ajuda da minha família, quero batalhar para conseguir. Também preciso perder a vergonha, quero aprender a escrever. Vou continuar aqui no acolhimento até ter certeza que consigo seguir”

Serviço  disponível - O serviço de abordagem social da Secretaria Municipal de Assistência Social funciona 24. Com intenção de estabelecer vínculos com os usuários, assegura o trabalho de abordagem e manter busca ativa, o contato da secretária é aberto para a população.

Casos de denúncias e busca por informações podem ser relatados pelo número (67) 98404-7529 e 98471-8149. Atualmente, a Secretaria possui quatro unidades de acolhimento, sendo que metade são provisórias.

Sediadas em escolas municipais, com o retorno das aulas, os usuários serão redirecionados para outros acolhimentos e irão continuar sendo acompanhados.

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