Assassinada aos 18, Mayara chegou a sonhar com futuro no handebol
Ex-namorado é principal suspeito do crime
Mayara Fontoura Holsback, 18 anos, morta com golpes de objeto cortante na própria cama. Essa é a cena encontrada pela Polícia Civil de Campo Grande na madrugada de sábado (16), ligada a um caso que tem como principal suspeito o ex-namorado da jovem, indício de um possível feminicídio.
Na tarde deste sábado, a violência do crime contrastava com o ruído quase inexistente no velório, e com o número de pessoas que chegavam ao local onde a cerimônia ocorre, na Pax São João Batista, em Campo Grande.
No espaço, concentravam-se amigos íntimos e família. O silêncio da perda só foi interrompido pelo som da angústia: o choro indicava a chegada da mãe de Mayara, Ana Fontoura Dias, e foi o único barulho que se ouviu durante os momentos que acompanharam sua chegada da até a entrada no velório.
O caso pode ser mais um feminicídio a integrar a extensa lista de casos como este em Mato Grosso do Sul, Estado marcado pela violência de gênero. Isso porque a família, os amigos e os vizinhos apontam o ex-namorado como principal suspeito.
Investigada pela Deam (Delegacia especializada no atendimento à mulher), a autoria do crime ainda não tem confirmação.
Mais um feminicídio?
Ademir de Souza Holsback, 43, é o pai de Mayara. Aparentando calma durante o velório e recebendo o apoio de amigos, ele contou que o relacionamento da filha foi marcado pelo ciúme e pela possessão. O técnico em áudio identificou o ex-namorado de Mayara como 'Robinho', 34 anos. O suspeito, relatou o pai, ficou preso durante dois anos, e teria saído da prisão na quinta-feira (14).
Diferente do que foi relatado pelos vizinhos, Ademir afirma que a filha estava com o irmão e o ex-namorado na casa onde foi assassinada, no bairro Jardim Universitário - bairro do sul da Capital. Ali, acredita o pai, o suspeito teria esperado que o irmão de Mayara saísse para trabalhar, e cometido o assassinato.
"Ela morava com ele, e quando ele foi preso ela foi ficar com o irmão para não ficar sozinha. O ciúme dele era muito louco. Aí ela se sentia muito presa e o cara controlava ela demais, não podia ir em lugar nenhum que ele rastreava, mandava gente cuidar. Aí ela foi pro irmão dela, e ficava mais em paz", relatou.
"Ele saiu na quinta-feira, ficaram juntos, ela, mais a irmã dela, que é minha filha também, e foram pra casa da mãe, se viram lá, beberam, fumaram narguile. Aí eles foram pra casa do irmão dela. O irmão dela trabalha com banda. O irmão dela saiu 1h ou 2h pra trabalhar, e foi o momento em que ele fez isso. Ele ficou sozinho com ela", explica.
A cerca cortada e a porta arrombada, conforme Ademir, seriam as marcas da polícia que tentou entrar na cena do crime junto com o irmão de Mayara. Uma mensagem de WhatsApp, segundo ele, o fez desconfiar que a filha corria perigo.
"Ela ficou o dia inteiro sem falar com a gente. Até pensamos, depois dele sair, podia estar com ela, matando a saudade, mas não foi nada disso. Quando começamos a olhar o perfil do Whats dela, estava sem a foto, ela nunca tirou a foto do perfil dela, aí já deu medo. A minha outra filha recebeu a mensagem de outro amigo dela dizendo assim: 'ele cumpriu o que ele falou'. Aí nós assustamos. Foi onde eu estava longe, a minha outra filha foi com a polícia, e o outro irmão dela, e entraram junto com a polícia na casa, e ela estava lá na cama morta", contou.
Aos 18, a vida de Mayara já era marcada por relacionamentos abusivos, conforme lembrou o pai. Antes de 'Robinho', a jovem foi casada com um homem que apresentava o mesmo comportamento.
"Ela veio de um casamento, e aí não deu certo, quase igual esse. Ele também agredia ela. Era possessivo. Ela vinha de um casamento complicado. Quando ela achou esse rapaz, ela falou: 'pai achei um cara bom pra mim'. Ele tinha mais idade que ela, aí estavam bem. Só que eu não sabia que ele era um ex-presidiário, fiquei sabendo depois. Quando teve uma blitz perto dele, aí fui puxar o nome dele e deu o nome do irmão dele. Aí a polícia foi mais a fundo, checou o nome dele e estava foragido da penal, aí guardaram ele", contou.
Sonho também morre
Amigos e família falam em alto-astral, alegria e bom humor para defini-la. "Esforçada, alegre, sempre trabalhou", comenta um parente. Além dessas características Mayara escondia, também, um talento: o handebol. Mas desde o primeiro casamento, contou uma amiga, ela se afastou do esporte, e não chegou a concluir o ensino médio.
Amiga, no entanto, não é como Caroline Yasmin, 18, quer ser identificada. "Éramos irmãs", disse ela. A jovem jogadora profissional de handebol soube, em São Paulo, onde vive, do assassinato de Mayara. O caminho das jovens se cruzou quando ainda eram 'rivais'. Jogavam em times opostos, em 2013, no Guanandizão, estádio em Campo Grande.
"Eu e a May éramos rivais de time, não nos gostávamos muito no início", brincou. "Mas à partir do momento que ficamos sabendo que íamos montar um time juntas tudo mudou. Ela me deu o prazer de conhecer a vida. É o coração maravilhoso e imenso dela. Tempo ruim com ela nunca existia, cativava com as gargalhadas e com as palhaçadas dela todos a sua volta. Tu nunca via ela triste, sempre estava chamando pra bagunça".
Mayara se afastou do handebol, mas continuou incentivando a carreira da amiga. "Ela parou de jogar faz um tempo já. Tinha casado, disse que não queria mais. Quando eu vim pra São Paulo, ela sempre dizia que se eu não fosse pra seleção e jogasse profissionalmente ela ia parar de ser minha amiga". As duas não se viam desde janeiro.
"Tu nunca via ela triste, sempre estava chamando para bagunça. Sempre foi muito esforçada, sempre teve o coração enorme, ela era ingênua de tudo! Até brigávamos pela tamanha bondade dela sabe? As pessoas se aproveitavam disso. Não me imaginei nunca sem essa guria. Sem a presença dela. Sem a simplicidade, o carisma, sem o amor dela. Está tão doloroso".