Cadê minha casa? Justiça manda prefeitura instalar placas em 2 bairros
Judiciário também obrigou o município a fiscalizar a regularidade na numeração de casas, hoje uma confusão
O comerciante Edilson Santos, de 45 anos, recebeu de uma só vez um “bolo” de correspondências, incluindo multa de trânsito que venceu em março. Não foi uma novidade, admitiu à reportagem do Campo Grande News. Ele contou que a numeração da conveniência dele aparece nos mapas em outro trecho da Avenida Marquês de Herval, a cerca de 4 quilômetros do estabelecimento, que fica no Nova Lima.
A Justiça confirmou que é obrigação da Prefeitura afixar a identificação das ruas e fiscalizar a correta numeração dos imóveis do bairro e do Jardim Noroeste, atendendo a uma ação civil pública apresentada pela Defensoria Pública.
Santos contou que só não pagou a multa com atraso porque procurou na internet o boleto. “Às vezes a gente está devendo e nem sabe”, comentou.
O que já era um problema para os carteiros na entrega de correspondência e encomendas só piorou com o transporte por aplicativo e o avanço das compras on-line. O comerciante conta que a numeração também é um problema na consulta pelo GPS. “Para entregar as encomendas daqui, às vezes coloco o número do vizinho, às vezes o da conveniência. Motorista novo sempre erra, e quando acontece eles ligam e eu preciso pedir pra que voltem no endereço.”
A dificuldade dos Correios em fazer entregas foi o que motivou a Defensoria a questionar a prefeitura no ano de 2017. A empresa apresentou lista com cerca de 50 bairros problemáticos, incluindo Los Angeles, Dom Antônio Barbosa, Aldeia Urbana Marçal de Souza, Taquaral Bosque, e acabou apontando os dois com maior dificuldade nas entregas pelos carteiros, resultando em uma ação civil pública.
Na época, a informação apurada foi que a cidade tinha cerca de 880 mil moradores e 283 mil domicílios. As entregas diárias chegavam a 150 mil. Além de cobrar que a prefeitura mantivesse as ruas dos dois bairros devidamente identificadas, a Defensoria também cobrava pela numeração correta das casas e pagamento de dano moral coletivo pela omissão, de R$ 412 milhões.
O juiz da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, Marcel Henry Batista de Arruda, concedeu liminar e fixou prazo de 90 dias no final de 2018. O processo correu e a prefeitura informou contratação de empresa por mais de meio milhão de reais para a confecção de postdoors para identificar ruas em vários bairros. Foram anexadas ao processo centenas de fotos comprovando a fixação do material, substituindo as tradicionais placas de metal.
Entretanto, vistoria de oficial de justiça por determinação do magistrado apontou que houve desgaste dos banners de identificação em muitas ruas. A reportagem também foi aos dois bairros esta manhã e percebeu muitos já ilegíveis ou mesmo ausência de identificação em muitas vias.
Tem que fiscalizar – No final do ano passado, a Justiça rejeitou o pedido de dano moral mas confirmou a obrigação da prefeitura de manter as ruas identificadas e reconheceu que não cabe à Administração afixar numeração nas casas, mas é tarefa dela fiscalizar se a numeração das casas está correta, cumprindo o poder de polícia, o que não estaria ocorrendo. O TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) manteve a sentença, em decisão publicada nesta sexta-feira.
A confusão com a numeração também prejudica a vida de um entregador de gás do Nova Lima, que pediu para preservar o nome. Morador antigo da região, ele contou que quase todas as ruas têm esse problema. “Tem casa que a gente coloca no Google e não acha de jeito nenhum. Precisamos ligar pro cliente, pedir pra ele passar mais referências, ou pedir pra ele ir fora de casa esperar a gente pra podermos encontrar.” Segundo ele, a própria casa aparece com numeração errada, o que dificulta quem usa aplicativo para entrega ou transporte de chegar nos imóveis. “Quando pede motorista de aplicativo eu sei que vai dar problema”, resumiu.
Também morador há décadas no bairro, Simão Carlos Borges, 60 anos, considera que é preciso haver alguma ação, mesmo que seja a renumeração no bairro para que os moradores sejam efetivamente localizados. "Aqui nosso número é o 555, mas pelo mapa vai dar uma quadra lá pra baixo. As correspondências, quando o entregador conhece, acabam chegando rápido, mas pedido de internet, por exemplo, é uma dificuldade.”
Noroeste – No outro bairro que a Justiça determinou a colocação de identificação das ruas, o Noroeste, no leste da cidade, moradoras também contaram a dificuldade de conviver com a bagunça nas ruas e número das casas.
Patrícia Bezerra, de 29 anos, admite que enfrentou muita dificuldade quando chegou, há cinco anos, porque a busca pelo GPS não batia com o endereço correto. Ela revelou que encontrou um macete e não usou mais o endereço, mas a localização.
Moradora próxima, Franciele Alce, de 28 anos, repetiu o lamento. O número oficial do imóvel remete a outro trecho da rua, dizendo que a mãe aponta outro dado para chegar à casa dela. “Teve uma vez que o motorista de aplicativo não quis voltar com ela e ela teve que voltar quatro quadras a pé”.
Residente na Rua Paraná, a aposentada Neuza Valeria de Morais, 57 anos, também disse que a falta de clareza prejudica o acionamento de serviços por aplicativos. “Meu filho costuma fazer compra on-line e sempre os entregadores dos Correios mandam mensagem dizendo que estão tentando entregar, mas não encontram a casa. Temos que ficar na frente de casa gritando e sinalizando que é aqui para poderem parar no lugar certo”.
Embora a ação civil tenha feito referência somente aos dois bairros que em 2017, os Correios apontaram como os mais problemáticos, a identificação de imóveis causa confusão em outras ruas. Um fiscal de cortes de energia percorria as ruas do Noroeste esta manhã e contou que a forma de localização utilizada por eles tem como parâmetro a numeração dos postes para comparar com a dos imóveis. Conforme ele, outros bairros como São Conrado e Caiobá também teriam casas com números que causam confusão.
A reportagem entrou em contato com a Prefeitura, mas não obteve resposta sobre a determinação de expandir a identificação de ruas e fiscalizar a numeração das moradias. A Administração define o número dos imóveis na época da criação dos bairros e das construções, antes de conceder o habite-se, mas a Justiça quer que haja fiscalização se os dados seguem corretos com o passar do tempo.
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