Criada para ser cartão postal, Orla é reflexo do abandono e do tráfico
Quem mora ou trabalha na região diz ser "refém" e, ao invés de aproveitar o espaço para lazer, foge do local
A tentativa de recuperar os quase mil metros da Orla Ferroviária, entre as Avenidas Mato Grosso e Afonso Pena, é antiga, são pelo menos 8 anos, desde que projeto da prefeitura revitalizou o espaço com a intenção de trazer vida ao trecho planejado para ser "cartão postal" de Campo Grande. Mas, o abandono e a falta de manutenção transformaram a região, hoje dominada pelo tráfico de drogas e pela criminalidade.
As poucas pessoas que ainda se arriscam a passar pelo trecho, se deparam com calçadas destruídas, bancos quebrados, estruturas danificadas, lixeiras vandalizadas, entre outras coisas. Até o pontilhão que deveria trazer segurança para pedestres e ciclistas cruzarem a Rua Maracaju, no Centro da cidade, está em pedaços.
Faltam madeiras na ponte construída para servir de passagem. Para quem caminha, risco de “enganchar” o pé. De bicicleta, as aberturas podem facilmente provocar desiquilíbrio e até mesmo a queda de ciclistas.
A sensação de passar por cima de onde os carros andam já é estranha, ver que estão faltando madeiras piora ainda mais e abre brecha para imaginar em como está a estrutura do pontilhão, em modo geral.
Seguindo “viagem”, danos na ciclovia também causam transtornos para quem utiliza bicicleta. São diversos buracos e trechos onde pedras se soltaram e estão espalhadas pela pista, redobrando o perigo.
Para descansar, bancos foram construídos em vários pontos da Orla, mas nem todos estão aptos para uso. Se as madeiras usadas como assento não foram retiradas por completo, as que sobraram podem facilmente machucar por estarem gastas ou em pedaços pontiagudos.
Pela região ainda é possível identificar “caixas” por onde passam tubulação de água sem as tampas de proteção, deixando buracos abertos no chão, alguns com quase um metro de profundidade. Ferros também estão expostos, de forma quase imperceptível, e armações onde lixeiras haviam sido instaladas, mas que acabaram sendo levadas por vândalos.
Com a aproximação do fim do dia e a luz caindo cada vez mais, o local vai deixando de ser opção para quem apenas está de passagem e se torna ponto para moradores de rua, traficantes e usuários de drogas.
Entre a Avenida Mato Grosso e a Rua Dom Aquino a comercialização e o consumo de entorpecentes é escancarado, mas em menor quantidade de pessoas. Nesse trecho, o uso de drogas é, em sua maioria, mais individual ou em duplas.
Já a partir da Dom Aquino, passando pela Rua Barão do Rio Branco e se aproximando da Avenida Afonso Pena, o volume de usuários aumenta. Apesar de olhares desconfiados, o preparo e a utilização de drogas é escancarado.
Alguns não se importam em conversar, mesmo que rapidamente, assumem o vício, mas preferem mudar o assunto. Então, quando questionados sobre a situação do local, muitos garantem que os danos e, principalmente, vandalismos não são provocados por quem frequentam a região, diariamente.
“Pode ser drogado, “nóia”, viciado. Mas, as pessoas precisam ter respeito pelo local, aqui todo mundo é tranquilo. Alguém te fez um mal?”, pergunta jovem, que não quis se identificar, à reportagem.
Além disso, o rapaz também garante que a maioria dos frequentadores se preocupa em cuidar do espaço, como ele, que fez questão de ter as mãos fotografadas enquanto jogava lixo recolhido do chão em uma das poucas lixeiras que sobreviveram ao tempo e a depredações.
Mas, para quem mora ou trabalha nas proximidades, a realidade não é bem essa. “Tem dia que está insuportável, você não consegue andar de um lugar para outro. Está tudo abandonado, literalmente uma ‘merda’, porque se você andar ali para frente, vai sentir o cheiro”, destaca morador, que não quis se identificar, ao descrever a situação no local e a atitudes de pessoas que frequentam o local e até mesmo defecam, no meio da calçada.
“Não melhora nunca, eu mesmo já vi diversas apreensões de drogas, mas dois ou três dias depois volta a ficar igual. A gente fica refém, porque se chama a polícia você é ‘cagueta’”, ressalta.
O morador, que também possui comércio, nas proximidades, afirma ainda que o “estado” da Orla Ferroviária já afetou muito o movimento e os ganhos de sua empresa. “De dois anos para cá, perdi mais de 50%, ainda compensa trabalhar porque eu moro aqui, sou dono do prédio e não pago aluguel. Não é só a crise financeira que afastou as pessoas, mas também a situação do local”, argumenta.
O morador ainda relembra, com tristeza, os tempos de glória, no local. “Aqui nós temos a história viva de Campo Grande. O pecado é a parte histórica estar perdida. Precisa ter um estudo sério e com projetos que funcionem”, opina.
Outro morador reforça que o ponto, projetado para enaltecer e salvar memórias da cidade, se tornou problema. “Nunca tivemos nada de cartão postal, se funcionou por três meses foi muito. Poucas pessoas andam por aqui, atualmente, e se passam é muito rápido, não é um caminho de lazer”, afirma o homem, que também não quis se identificar.
Segundo ele, o abandono motivou, inclusive, regras de convívio. “Aqui existem regras, temos que ter boa convivência para não ter represálias”, destaca.
Melhorias – A reportagem questionou a prefeitura de Campo Grande sobre possíveis projetos para recuperação da Orla Ferroviária no trecho citado, mas a solicitação não foi respondida até a publicação da reportagem.
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