Defensoria afirma que mulher denunciada por aborto é vítima de quebra de sigilo
Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher faz busca ativa de mulher de 20 anos
Após ficar sabendo pelo Campo Grande News do caso da paciente de 20 anos, internada no Hospital Regional Rosa Pedrossian, se recuperando de um aborto, que foi denunciada pelo próprio médico que atendeu a emergência, o Nudem (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher) resolveu defender os direitos da mulher.
“Queremos fazer a propositura de HC (Habeas Corpus) se ela for efetivamente indiciada. Se houver prosseguimento (da denúncia), a vítima vai responder um processo penal, que pressupõe a existência do crime, o autoaborto. Mas a partir do momento da quebra do sigilo do médico e paciente, anula qualquer tipo de crime”, ressaltou a coordenadora do núcleo, a defensora pública Zeliana Luzia Delarissa Sabala.
Segundo ela, o médico feriu o direito da paciente que toda mulher tem, o da intimidade e o direito à saúde. “Já há alguns julgamentos no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e STF (Supremo Tribunal Federal) que em caso de autoaborto e quebra de sigilo, como foi especificamente no caso noticiado na imprensa”, destacou.
Pelo código de ética da medicina, o profissional não tem o direito de expor a vida e a intimidade da paciente. “Isso implica na invalidação de prova no processo penal. Existe evidente lesão do direito a essa mulher. Muitos direitos estão sendo lesados nessa situação”.
Zeliana afirma que desde que assumiu a coordenação, em abril do ano passado, este é o primeiro caso de autoaborto que o Nudem foi informado. A preocupação com a paciente neste momento é a prioridade.
“A mulher que chega a se infringir uma automutilação passou por muita dificuldade para chegar a essa situação. Como foi o acolhimento? Não poderia ter acontecido. E se não tomarmos atitudes efetivas outras mulheres vão passar pelo mesmo. Temos que nos indignar e não deixar esse tipo de atitude prevalecer.”
A questão do aborto voluntário ainda está em discussão no STF através da ADPF 442. Antes de se aposentar, a ministra da Rosa Weber declarou seu voto e disse que o aborto do jeito que a gente trata atualmente “é irracional sob a ótica da política criminal, ineficaz do ponto de vista da prática social e inconstitucional da perspectiva jurídica”.
O Nudem orienta que as pessoas que realizam o serviço de saúde façam atendimento de forma despida de preconceitos e crenças. Mulheres que precisarem realizar o aborto podem procurar o SUS (Sistema Único de Saúde) e a própria Defensoria Pública.
“Quando trabalhamos em rede, qualquer lugar está pronto para receber um pedido de socorro. Essa paciente poderia ter procurado assistência social, defensoria. O que não pode é a mulher em qualquer situação de vulnerabilidade sofrer sozinha, ficar em silêncio e achar que a culpa é dela e que tem que resolver. Temos que contar com a rede de apoio”.
O caso - A paciente de 20 anos, que cometeu aborto aos 8 meses de gestação, foi ouvida ontem pela DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente). A Polícia foi à unidade de saúde após ser acionada pela administração do Hospital Regional. A mulher deu entrada no último domingo (14), vinda de Guia Lopes da Laguna, município que fica a 233 km da Capital.
Conforme o delegado Roberto Morgado, o médico que fez o parto foi entrevistado e repassou a informação de que o feto já estava morto, provavelmente desde o dia em que a mulher fez as manobras abortivas, no domingo (14). Por isso, a situação não era mais flagrante.
O delegado explicou que o aborto se consuma com a morte do feto e não com a retirada. Mesmo assim, a paciente foi entrevistada. Ela ainda estava muito sedada, mas informou aos policiais civis que os fatos se deram na cidade onde mora. O HR não informou o quadro de saúde da paciente.
No fim da tarde desta quarta-feira (17), o CRM/MS (Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso do Sul) informou que o médico pode ser investigado por fazer a denúncia. “Os profissionais médicos devem conduzir suas atividades de acordo com as normativas do código de ética médica e com a legislação federal vigente. Em caso de descumprimento destas regras que tangem tanto a questão ética quanto a legislativa, o profissional poderá responder sindicância no devido tribunal de ética”, diz a nota do órgão.
(*) Matéria alterada às 18h47 para acréscimo do posicionamento do CRM.
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