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Capital

Do Whatsapp à criação de instituto: mães lutam para salvar bebês cardiopatas

Érica saiu do emprego e levou o filho para SP, em busca de melhor tratamento

Por Aline dos Santos | 21/12/2023 09:19
Érica acompanha o filho de 5 meses, que está internado em São Paulo. (Foto: Arquivo Pessoal)
Érica acompanha o filho de 5 meses, que está internado em São Paulo. (Foto: Arquivo Pessoal)

Famílias de bebês com cardiopatia migraram de grupo de bate-papo no celular para a criação do Instituto “Um só Coração”. A luta pelos direitos dos pequeninos pacientes vem do luto e da batalha por procedimentos cirúrgicos. Às vezes, pela gravidade é preciso se deslocar para São Paulo e acionar a Justiça porque só a cirurgia custa R$ 274 mil.

“Nós temos grupo de pais no WhatsApp para trocar experiências e conseguir ajudar. Estamos nos formalizando como instituto e eu sou a presidente. Estamos fazendo pedidos junto à Sesau [Secretaria Municipal de Saúde] e hospitais. A gente quer que a maior quantidade de mães tome ciência da nossa existência. Para que a gente possa ajudar, dar apoio psicológico”, afirma a enfermeira Gabrielle Montalvão.

Ela é mãe de Caleb. O menino tinha complicação cardíaca congênita e precisava por cirurgia antes dos seis meses de idade, mas nem isso deu tempo. Ele viveu por três meses e 11 dias, falecendo em 9 de maio na Santa Casa de Campo Grande. A mãe denunciou omissão e falta de cardiologista pediátrico no hospital. Na sequência, foi processada pelas médicas.

O grupo encaminhou pedido à Sesau para fazer auditoria no setor de cardiopediatria, do qual a unidade hospitalar é referência. “São várias denúncias, dados, crianças morrem no pós-operatório porque não tem pediatra. Levamos várias denúncias. Nós temos uma portaria específica sobre cardiopediatria”, diz a enfermeira.

De acordo com ela, a portaria do Ministério da Saúde prevê acompanhamento ambulatorial no pré e pós-operatório, com profissional especialista 24 horas. Mas os médicos são chamados em caso de necessidade, não permanecendo na Santa Casa.

Conforme a denúncia encaminhada à Sesau, o “hospital deixa diversas crianças de pós-operatório sem atendimento especializado em cardiopediatria, as crianças ficam assistidas somente por intensivistas”.

E prossegue: “Na emergência pediátrica não é diferente, não existem especialistas de sobreaviso e muito menos de plantão no hospital; devido à falta de cuidado especializado muitas crianças já faleceram dentro da UTI 5 (cardiopediátrica) e na emergência pediatra. Se no único hospital referência do Estado não se encontra cardiopediatra para situações críticas e de urgência então as crianças não encontrarão atendimento especializado em nenhum outro lugar de Mato Grosso do Sul”.

A Sesau informou que mantém contato constante com o hospital para garantir o atendimento a todo e qualquer paciente que dê entrada no local.

Santa Casa de Campo Grande é referência para atendimento da especialidade em MS. (Foto: Fly Drones)
Santa Casa de Campo Grande é referência para atendimento da especialidade em MS. (Foto: Fly Drones)

“É necessário ainda informar que a pasta também faz o acompanhamento rotineiro do cumprimento do contrato por parte do hospital, e, neste caso específico, não foi encontrado, até o momento, nenhuma irregularidade no serviço de cardiopediatria, havendo um profissional plantonista 24 horas por dia que é acionado sempre que há a necessidade de atendimento.”

Conforme a Santa Casa, em nenhum momento, a portaria afirma que há a necessidade ou obrigatoriedade de atendimento em forma de plantão presencial de cirurgiões cardíacos. Desta forma, quando um paciente adentra as portas do hospital com uma patologia cardiovascular identificada, o atendimento cardiológico é acionado para dar andamento na assistência ao paciente.

“A equipe de cirurgia cardíaca pediátrica da Santa Casa realiza atendimentos ambulatoriais, visita nas enfermarias e cumpre plantão de sobreaviso 24 horas por dia, 7 dias por semana, com protocolos e critérios muito claros de acionamento. Isso se aplica tanto à parte clínica quanto aos atendimentos pré e pós-cirúrgicos, que são os referidos na portaria do Ministério da Saúde. Em suma, a Santa Casa de Campo Grande cumpre todos os requisitos determinados na Portaria Nº 210, de 2004, do Ministério da Saúde. Vale lembrar que, conforme o anexo primeiro, inciso 1.4, linha C, o atendimento de urgência e emergência da cardiopediatria precisa ser referido, ou seja, o paciente antes precisa ser estabilizado pelo pediatra. Identificado o problema no coração, o cardiologista ou cirurgião cardíaco pediátrico é acionado”, diz nota enviada à reportagem e assinada pelo diretor técnico da Santa Casa, Willian Leite Lemos Junior.

Jornada de tratamento –  Érica Cristina da Silva Mindé, 26 anos, deixou o trabalho e já gastou R$ 4 mil com viagem e estadia em São Paulo na busca do que considera o melhor atendimento para o filho, que tem cinco meses.

Ela reclama que falta estrutura em Campo Grande no pós-operatório, tanto no CTI (Centro de Terapia Intensiva) como na enfermaria. “No pós-operatório, não tem um cardiopediatra para cuidar do seu filho, um bebê. Fazer uma cirurgia do coração grande como ele precisou fazer, ir para o CTI e não ter um cardiopediatra para cuidar dele não é suficiente. Não tem estrutura. Não quis correr risco com a vida do meu filho, com ele operando aí”.

O bebê passou pela primeira cirurgia na Santa Casa quando tinha sete dias de vida. Agora, está na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, hospital de ensino na capital paulista. O menino passou por cirurgias nos dias 4 e 8 de dezembro.

“Eu vim por conta, vim tentar bater nas portas. Gastei mais de R$ 4 mil entre passagens, alimentação, condução e diárias. Para visitar ele, gasto R$ 35,60 todo dia. Não é nada fácil, tive que pedir a conta no serviço para cuidar dele.”

Rosicleide precisou buscar cirurgia em SP diante da gravidade do quadro do filho. (Foto: Arquivo Pessoal)
Rosicleide precisou buscar cirurgia em SP diante da gravidade do quadro do filho. (Foto: Arquivo Pessoal)

A servidora pública municipal Rosicleide Mariano, 40 anos, mãe de um menino com cardiopatia congênita complexa, também conta a saga por tratamento. O menino tem um ano e oito meses.

No nascimento, o bebê foi direto para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) por conta de problemas no intestino.

“No quinto dia de vida, a cardiologista veio falar comigo e disse que tinha feito o exame ecocardiograma e diagnosticou como atresia pulmonar com CIV [Comunicação Interventricular] e colaterais, é uma doença cardíaca congênita grave que necessitava de cirurgia. Mas como ele estava com quadro infeccioso, não seria possível realizá-la naquele momento, mas assim que o quadro estivesse estabilizado, seria transferido para o hospital de referência em cirurgia cardíaca pediátrica, a Santa Casa de Campo Grande”, conta Rosicleide.

Contudo, diante da gravidade do quadro, a equipe médica apontou que não há estrutura para a cirurgia em Mato Grosso do Sul.

“A Santa Casa não tem suporte técnico e pós-operatório, devido à complexidade da anomalia que ele tem no coração. Então, encaminhou para cardiologista que faz acompanhamento dele no ambulatório para que fizesse os encaminhamentos de solicitação de vaga para tratamento fora do domicilio”, diz a mãe. A primeira consulta em São Paulo está marcada para 16 de janeiro.

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