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Capital

Em favelas da Capital, medo de tragédia como a do Mandela é diário

Em casas improvisadas e sem o básico, como água e luz, famílias temem perder o pouco que têm

Por Mylena Fraiha | 19/11/2023 10:35
Feitos de madeira e lona, barracos compõem cenário da favela Nova Esperança, em Campo Grande (Foto: Paulo Francis)
Feitos de madeira e lona, barracos compõem cenário da favela Nova Esperança, em Campo Grande (Foto: Paulo Francis)

Ruas de terra e “casas” de madeira são um cenário mais comum do que se pensa em Campo Grande, que chegou a ser conhecida como a "capital sem favelas".

Segundo a Emha (Agência Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários), atualmente, cerca de 20 áreas públicas estão ocupadas de maneira irregular, em processo de regularização fundiária.

Localizadas nos extremos da Capital, as favelas ficam “escondidas” entre vielas sem asfalto, muitas vezes sem serviços básicos como iluminação e água. Uma dessas comunidades é a Moradas do Angicus, localizada entre os bairros Panorama e Vivendas do Parque, saída para Três Lagoas.

A região foi ocupada no dia 16 de setembro de 2016 e atualmente abriga cerca de 200 famílias, conforme explica uma das representantes da comunidade, Geovani Moura Baltazar, de 53 anos, voluntária do projeto social Aspirante, que atende crianças da comunidade.

Viela dentro da comunidade Morada de Angicus, na saída para Três Lagoas (Foto: Paulo Francis)
Viela dentro da comunidade Morada de Angicus, na saída para Três Lagoas (Foto: Paulo Francis)

A casa de Geovani é de alvenaria, com uma varanda, dois quartos, dois banheiros, cozinha, sala e uma lavanderia. Entretanto, ela ressalta que nem sempre foi assim. “Chegamos aqui no primeiro dia, em 2016. Só que minha casa nem sempre foi assim. Trabalhei bastante para construir isso”.

Agora, um dos seus sonhos é a regularização do terreno. "A nossa ideia de ocupar aqui era sair para do aluguel. Não tem como pagar o financiamento de uma casa, ainda mais ganhando um salário mínimo. Em 2016, a polícia veio e desocupar aqui. Só que falei que voltaríamos, porque não temos para onde ir".

Sem condições financeiras de pagar aluguel, Regiane explica que foi morar na favela Nova Esperança (Foto: Paulo Francis)
Sem condições financeiras de pagar aluguel, Regiane explica que foi morar na favela Nova Esperança (Foto: Paulo Francis)

Outra favela é a Nova Esperança, localizada perto do antigo aterro de resíduos sólidos do Jardim Noroeste, na saída para Três Lagoas. De acordo com moradores, cerca de 180 famílias vivem em casas improvisadas, com lonas e divisórias de madeirites.

Em uma delas, mora a família da dona de casa Regiane Ferreira da Silva, 42 anos. “Eu não conseguia mais pagar aluguel, água e luz. Foi quando eu consegui esse lugar, que é provisório. Estou esperando um terreno, porque tenho meu cadastro na Emha há 10 anos”.

Há oito meses, Regiane mora em um barraco de madeira, com seus dois filhos, de 5 anos e de 15 anos, este, cadeirante e portador de paralisia cerebral. "Aqui é precário. Não tem como se locomover com a cadeira. Eu levo ele no colo".

Ela também explica que a favela sofre com infestações de animais peçonhentos, devido ao mato alto. "Já apareceu escorpião e até mesmo gambá. É um perigo para quem tem criança".

Interior da casa de Regiane, na favela Nova Esperança (Foto: Paulo Francis)
Interior da casa de Regiane, na favela Nova Esperança (Foto: Paulo Francis)

Medo compartilhado - Ciente do incêndio ocorrido na quinta-feira (16) na favela do Mandela, Regiane explica que ficou receosa do incidente repetir na comunidade onde mora. "Fique com muito medo. Imagina se fosse aqui. Há dois meses atrás, pegou fogo numa lona aqui. Se um vizinho não tivesse visto, queimava toda casa, comigo e minhas crianças dentro".

Fabiana aponta que fiação elétrica inadequada é o principal problema da Morada de Angicus (Foto: Paulo Francis)
Fabiana aponta que fiação elétrica inadequada é o principal problema da Morada de Angicus (Foto: Paulo Francis)

O medo também é compartilhado pelos moradores da comunidade Morada de Angicus. A atendente de padaria, Fabiana Silva dos Santos, de 37 anos, explica que a região sofre com a falta de energia elétrica e fiação adequada.

"Sempre dá pipoco e queima. Corre risco de uma hora acordar com a casa queimada. Vimos o que aconteceu no Mandela. Uma hora pode ter um curto circuito e começar incêndio aqui", relata Fabiana.

O recente incêndio no Mandela, vivenciado por amigos da moradora do Angicus Jussara da Silva, de 39 anos, também trouxe à tona a angústia de perder tudo. Sua casa é construída com madeira compensada e composta por duas peças.

Minha amiga mora no Mandela e perdeu tudo. Imagina perder tudo. Também cheguei a pensar se isso acontecesse aqui. Já teve fio pegando fogo aqui e tem muitas casas de madeira", comenta Jussara.

A moradora Sirlene de Souza Vieira, de 42 anos, também reforça que a falta de energia problema é comum na Morada dos Angicus. "Já pegou fogo na minha fiação e só parou porque meu marido cortou o fio. A água chega aqui, mas a energia ainda é um problema aqui. Em dias de chuva a gente fica sem luz. O vento bate e derruba tudo”.

Sem o básico - Em uma caminhada pelas ruas da favela Morada dos Angicus, moradores relataram ao Campo Grande News que a região sofre especialmente com a falta de iluminação e a dificuldade de receber correspondências e entregas. Para contornar essa limitação, ela destaca a necessidade de combinar a entrega com os vizinhos.

"Aqui dentro não entra correspondência. Só nas casas da beiradas. Tenho que combinar com os vizinhos a entrega e a coleta de lixo é só na Rua Átomo. Aqui dentro não chega", explica a moradora Gislaine Alves Pereira, de 42 anos.

Casas de madeira são frenquentemente encotradas na comunidade Nova Esperança (Foto: Paulo Francis)
Casas de madeira são frenquentemente encotradas na comunidade Nova Esperança (Foto: Paulo Francis)

Na comunidade Nova Esperança, o reciclador Francisco Pereira de Oliveira, de 58 anos, e sua nora, Jéssica Neves, de 23 anos, também relatam problemas comuns das favelas. Na casa de madeira, vive os dois adultos e três crianças.

Segundo eles, a falta de água é o maior problema para a comunidade próxima ao Jardim Noroeste. "A água vem bem fraquinha para cá. Como todo mundo usa bastante, acaba não chegando aqui. Só de madrugada que tem mais água, porque o pessoal usa menos", comenta Jéssica.

Para Jéssica, a precariedade é apenas um sinal de abandono por parte do poder público. "A gente é esquecido aqui. "Recebemos mais ajudas de grupos solidários e igrejas. Somos esquecidos pelos governos".

A reportagem entrou em contato com a Prefeitura para saber o andamento de regularização fundiária das 20 áreas ocupadas de forma irregular. De acordo com a Emha, as comunidades estão em processo de atendimento pela Diretoria de Regularização Fundiária.

"Todas as famílias já foram cadastradas e, a partir do cadastro, é que a demanda de lotes foi estabelecida. É preciso delimitar as áreas que comportem todos os integrantes da comunidade no mesmo bairro", explica a Emha em nota.

A agência municipal também destaca que há mais de 20 áreas em processo de estudo ou regularização na Capital que também demandam atendimento. Os ocupantes precisam aguardar a finalização dos trâmites desse processo. "Todos serão comunicados pela Emha sobre as próximas etapas de atendimento".

[**] Matéria editada às 10h20 do dia 21 de novembro de 2023 para acréscimo de informações.

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Confira a galeria de imagens:

  • Rua da favela Nova Esperança (Foto: Paulo Francis)
  • Francisco aponta principais problemas da favela Nova Esperança (Foto: Paulo Francis)
  • Interior da casa de Regiane, na favela Nova Esperança (Foto: Paulo Francis)
  • Regiane comenta problemas na favela Nova Esperança (Foto: Paulo Francis)
  • Barraco da favela Nova Esperança (Foto: Paulo Francis)
  • Casas da favela Nova Esperança (Foto: Paulo Francis)
  • Casas da favela Nova Esperança (Foto: Paulo Francis)
  • Casas da favela Nova Esperança, construídas próximas ao antigo aterro sanitário do Jardim Noroeste, que foi desativado em 2016 (Foto: Paulo Francis)
  • Rua da favela Morada de Angicus (Foto: Paulo Francis)
  • Casa construída na favela Morada de Angicus (Foto: Paulo Francis)
  • Casa na favela Morada de Angicus (Foto: Paulo Francis)
  • Rua da favela Morada de Angicus (Foto: Paulo Francis)
  • Mulher caminha em rua da favela Morada de Angicus (Foto: Paulo Francis)
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