Esperar “o melhor disso tudo” dá força em fila do desemprego que dobra esquina
Trabalhadores enfrentam fila imensa para conseguir o seguro depois que a crise da pandemia provocou demissões
Edileusa Pereira de Freitas, 44, acordou antes do sol. O relógio marcou 3h30 quando chegou, por sorte com carro, até a frente da Funtrab (Fundação do Trabalho de Mato Grosso do Sul), onde fila imensa dobra a esquina, retrato do desemprego pós pandemia em Campo Grande. Esperar um dia “o melhor disso tudo” é a força que mantém de pé, ou sentados em uma calçadinha, esses trabalhadores.
Nesta manhã a fila que começa na frente da Funtrab, Rua 13 de Maio, segue até a Rua Dom Aquino. Por volta das 7h15, 75 pessoas esperavam atendimento que começa às 8h30 e boa parte foi até ali para conseguir encaminhar documentação do seguro desemprego.
É o caso de Edileusa, que ficou quatro horas na fila até conseguir uma senha e agora, espera ser chamada. O marido a levou de carro e ela se adiantou com medo de chegar tarde demais e perder a vez. Cozinheira, Edileusa perdeu um emprego de três anos em uma empresa que fazia salgados. Fechada após a pandemia do novo coronavírus, a empresa demitiu todos os funcionários.
Nem essa situação faz Edileusa perder a esperança de que há “um melhor disso tudo” que ainda será visto por todos. Ela vive com o marido e os três filhos de 4, 17 e 23 anos no bairro Aero Rancho.
“A gente tem que esperar o melhor disso tudo. Que tudo passe, os serviços retornem”, comentou a cozinheira.
Vizinha de bairro, Patrícia da Silva, 34, chegou depois de Edileusa e matava o tempo da espera com um papo. Babá há cinco anos duas crianças que “praticamente viu nascer”, ela foi dispensada pelos patrões que estão fazendo isolamento social e agora, estão cuidando das crianças. “As crianças ficaram sem aula e os pais ficaram mais em casa e acabaram me dispensando”, disse.
“Eles cresceram comigo...Vou aproveitar esse momento para ficar com os meus filhos”, disse Patrícia.
A babá é mãe de três “meninos”: 6, 10 e 16 anos. “Vim cedo porque me falaram que tinha gente que dormia na fila, aí pensei, vou sair umas 3h30 de casa e talvez eu consiga”, conta ela. Trazida pelo marido de carro, trouxe uma garrafa de café para acompanhar a espera. O marido está trabalhando, contou, “está dando para segurar”.
O padeiro Ariovaldo de Matos Patrocínio foi demitido junto com outros 5 colegas de profissão. Todos faziam pãe para panificadora que entregava o alimento aos mercados. Trabalhou na empresa ou dois anos e sete meses. Além dos padeiros, contou, os funcionários da promotoria de vendas também foram dispensados.
Chegou às 5h30 na fila, onde já haviam 20 pessoas. “Vou ver se consigo dar entrada no seguro ou ver se tem uma vaga, a que tive disponível eu pego. É melhor trabalhar do que ficar segurado”, disse ele que vive com a esposa e a filha de 10 anos no Bairro Ramez Tebet. A esposa está trabalhando, mas ele está preocupado com as contas. Diferente de Edileusa, Ariovaldo se equilibra na corda bamba de pensar que a pandemia veio como condenação ou redenção à humanidade.
“Não tem nem explicação, não tem nem o que falar sobre essa pandemia. Não sei se veio para destruir ou acordar a humanidade”, disse o padeiro.