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Capital

Família acusa ex-diretor de forjar laudo de morte para esconder erro no HU

Viviane Oliveira | 30/05/2013 09:31
Família se diz revoltada com a morte da idosa.(Foto: Marcos Ermínio)
Família se diz revoltada com a morte da idosa.(Foto: Marcos Ermínio)

A família da dona de casa Maria Domingues Lopes Dias, de 65 anos, que morreu no dia 21 de junho do ano passado procurou o MPE (Ministério Público Estadual) para contribuir com as investigações contra a Máfia do Câncer.

Os filhos suspeitam que a mãe foi vítima de erro médico e teve o laudo da morte adulterado a mando do ex-diretor do Hospital Universitário, José Carlos Dorsa. Gravações telefôncias mostram o médico orientando outro colega a forjar informações sobre uma cirurgia que resultou na morte da paciente, na mesma época da operação de Maria. A família vai entrar na Justiça contra os médicos e o Hospital Universitário.

A filha da paciente, Miriam Dias, de 36 anos, disse que há 10 anos a mãe sofria de estenose aórtica e vinha tratando da doença. Em 18 de junho do ano passado, Maria Domingues deu entrada no Hospital Regional e depois de dois dias a família recebeu a notícia de que ela seria transferida para o Hospital Universitário, para uma cirurgia menos invasiva de implante de uma válvula no coração.

“Os médicos falavam que a minha mãe era inoperável porque a válvula dela estava igual uma casca de ovo. Eles deixavam bem claro que se ela fosse para uma cirurgia convencional não iria resistir”, diz Mirian.

Segundo ela, o médico, que acompanhava a mãe no Hospital Regional, João Jackson Duarte, que participou da cirurgia no HU, era um dos que alertava sobre o procedimento cirúrgico convencional no coração, que consiste em abrir o tórax. O recomendado era a "transapical" alternativa menos invasiva, quando a válvula aórtica é implantada no paciente por meio de um cateter.

Em escutas da Polícia Federal durante a Operação Sangue Frio, Dorsa aparece combinando justamente com João Jackson, o que iriam dizer em relação a um dos procedimentos no hospital que não deu certo. A família tem certeza que se tratava do caso de Maria Domingues.

João Jackson: Como é que vai descrever aquela válvula transcateter que abriu a mulher, lá?

Dorsa: Qual mulher?

Jackson: Aquela que nós abrimos para fazer transapical e morreu no meio.

Dorsa: Ué, tem que falar que fez transapical, né. Nós não fizemos transapical? Como é que foi?

Jackson: Nós fizemos apical e furou o ventrículo. Põe isso?

Dorsa: Não lembro agora o que que nós pensamos em fazer. Não, não põe isso! Coloca que foi transapical e que evoluiu com disfunção ventricular e que nós, é...conforme disfunção ventricular colocamos em extracorpórea, porque...entendeu?

Jackson: Mas nós não colocamos em extracorpórea!

Dorsa: Eu sei, mas você vai falar porque você abriu o tórax? Não pode falar que furou, né!

Mirian carrega na bolsa a foto da mãe, Maria Domingues. (Foto: Marcos Ermínio/reprodução)
Mirian carrega na bolsa a foto da mãe, Maria Domingues. (Foto: Marcos Ermínio/reprodução)

A família conta que a paciente entrou no centro cirúrgico às 13h e por volta das 19h50 foi informada pelos médicos, Dorsa, e João Jackson que Maria havia morrido. Segundo as investigações, no dia da combinação para forjar o laudo, antes de falar com a família, Dorsa liga para uma pessoa, que não foi identificada.

Dorsa: Terminei aqui, viu. Estava uma tragédia grega a ponto de chegar a isso. Eu vou falar com a família, tá, que a paciente morreu. Tá?

2ª pessoa: Aí, meu Deus!

“Eles falaram que haviam feito o procedimento nela e quando chegou abaixou do coração não passou o cateter e tiveram que abrir para ver o que estava acontecendo, ela estava toda calcificada”, conta a filha

Conforme Mirian, os médicos chegaram a dizer que a cirurgia havia sido um sucesso, mas quando a preparavam para fechar o coração começou a tremer e parou de bater. “O Dorsa estava transtornado. Na hora eu cheguei a ficar com pena dele. Agora que ouvi as gravações fiquei revoltada. A minha mãe foi uma cobaia na mão deles”, desabafa.

Ao deixar o hospital, Dorsa falou com seu assessor, Alcides nascimento e também foi interceptado pela PF.

Alcides: Você está vindo do HU, né?

Dorsa: Do HU. A paciente morreu, viu! Empoleirou a válvula, viu. Ficamos tentando, tentando, abrimos o tórax. Fizemos o diabo aqui, cravou, viu!

Alcides: Ahn. Faz parte da estatística, né?

No dia seguinte, em outro telefonema, Dorsa explicou como perfurou o ventrículo da paciente.

Dorsa: Aquela guia ficou solta. E a hora que eu introduzi o balão, a guia foi junto. E ela que fez um chicote lá dentro, e uma alça lá dentro e furou aquela m...! Mas é isso. Eu acho que é o aprendizado, né?

Mirian mostra o prontuário médico, que o hospital só liberou para a família depois que a justiça determinou. (Foto: Marcos Ermínio)
Mirian mostra o prontuário médico, que o hospital só liberou para a família depois que a justiça determinou. (Foto: Marcos Ermínio)

Ao ouvir as gravações, o construtor Hélio Dias, de 47 anos, irmão de Mirian, diz que chorou. "Falou da minha mãe como se ela fosse mais uma. É muito triste quando um homem que conversa no telefone com o médico fala que a minha mãe entrou nas estatísticas”.

Em outro telefonema, Dorsa falou sobre a cirurgia com outro médico que participou do procediemnto

Dorsa: Sabe o que nós podíamos ter feito que não fizemos?

Médico: ah?

Dorsa: Introduz essa desgraça desse condutor no próprio PTFE (implante). Não gosto desse negócio porque acontece algum acidente e é isso que dá! Porque as artérias, se acontece qualquer coisa, você conserta. Tem jeito. O coração não tem conserto.

Médico: Essa do PTFE também, nem me toquei dessa aí, também!

Dorsa: É, não pensei. Também, fica todo mundo dando palpite! O Jackson querendo fazer transapical, puxa você para uma indicação que eu não gosto. E outra coisa, antes de acontecer qualquer coisa, a pressão já tava a 3, antes de furar o ventrículo. Não é um furo, é um rasgo.

Em outro trecho da conversa, Dorsa admite que não costuma usar a técnica.

Dorsa: Fazer cirurgia no coração e meter coisa lá dentro, sem extracorpórea, não é comigo. Ah, eu não gosto de transapical. Mas vamos ter que fazer, tudo bem. Mas vamos ter que fazer com cuidado absurdo, com uma programação de estar ali pensando em tudo, cuidando das coisas. Muita coisa agora já firmei.

Médico: É, muita coisa que a gente não sabia. Né?

Dorsa: Você vê, mas é só fazendo para você sentir o que é o treco, né.

Médico: É, deixar para os bem selecionados, né. E como você falou ontem, é um aprendizado, né?

Dorsa: Exato.

“Isso pra mim é falta de caráter. Eu tenho vontade de olhar para ele e perguntar se é filho de chocadeira”. Nas gravações, a pessoa que se diz diretor de um hospital fala da morte de uma paciente usando termos chulos, reclama o filho. “Isso é revoltante”, afirma Mirian.

“Hoje nós trouxemos os laudos para o MPE para agilizar o procedimento de investigação. Não queremos dinheiro, mas sim que seja feita justiça”, diz Hélio.

No pronturário da paciente, consta que participaram do procedimento José Carlos Dorsa, o primeiro auxiliar João Jackson Duarte e o segundo auxiliar, Guilherme Viotto, o mesmo que assinou o atestado de óbito da paciente. No atestado consta que a causa da morte da paciente foi choque cardigênico, disfunsão ventricular grave e estenose aórtica grave.

Em conversa com a imprensa após depoimento na CPI da Saúde, na tarde desta quarta-feira, na Câmara Municipal, Dorsa falou que a gravação foi veiculada de uma forma tendenciosa e será apurada pelo órgão competente. “Foi uma conversa íntima, com especialistas em um momento privado. Jamais ouve combinação. Não tem nada a ver com atestado de óbito, prejuízo ao paciente e infração ética”, justifica.

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