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Capital

Golpista usa Banco Central como isca e se irrita ao ter "índole" questionada

Reportagem conseguiu contato com golpista que tenta induzir idosos a fazer reconhecimento facial via WhatsApp

Silvia Frias | 11/02/2022 13:55


O recém-criado sistema do Banco Central para identificar se clientes tem dinheiro retido em instituições bancárias é a nova isca dos golpistas em busca das vítimas. Os alvos continuam sendo os idosos, que são induzidos a fazer reconhecimento facial e tem os dados usados ilegalmente para empréstimos e financiamentos.

Na página do Banco Central, consta que a instituição não entra em contato para tratar de valores a receber ou para confirmar dados pessoais.

A funcionária pública de 40 anos, de Campo Grande, conseguiu evitar que o tio, de 70 anos, caísse no golpe. Em contato com o Campo Grande News, relatou a ligação recebida ontem.

O número é de São Paulo (11) 94917-5522 é o atendente se identificou como Júlio César, dizendo que o tio da servidora, aqui identificado como *Sebastião, teria direito a valor de restituição.

Contato feito pela atendente, um dos vários realizados desde ontem. (Foto: Divulgação)
Contato feito pela atendente, um dos vários realizados desde ontem. (Foto: Divulgação)

O atendente disse que o idoso tinha de R$ 1 mil a R$ 4 mil para receber, mas, que para isso, precisava repassar foto do RG e cópia do cartão de poupança da Caixa. “Eles falaram que registrariam e o dinheiro cairia na conta dele em 72 horas úteis”.

Inicialmente, esses dados foram repassados. Por último, o atendente disse que precisava de reconhecimento facial para concretizar a transação e enviou link. *Sebastião teve dificuldade e não conseguia acessar o site. “O atendente se desesperou, mandou eles chamarem os vizinhos para resolver, insistiu muito”, contou a servidora.

A mãe da servidora, irmã da vítima, também tentou ajudar no acesso ao link, sem sucesso. Foi aí que funcionária pública foi acionada pela família para resolver a situação.

Em mais uma ligação, a atendente, agora se identificando como Giovana, enviou novamente o link para que *Sebastião acessasse. A partir daí, a servidora conversava com a atendente, ouvindo o que ela dizia por meio do viva voz do telefone fixo da casa da mãe.

Novamente, o idoso não conseguia acessar o link. Agora, a insistência se estendeu aos telefones dos três membros da família. “Eles ligaram mais de 10 vezes para meu tio, para minha mãe; aliás, estão ligando agora”, disse, durante entrevista. Desde ontem, foram pelo menos 30 ligações nos telefones do tio, da mãe e o dela.

A insistência despertou a desconfiança. A servidora buscou informações do Banco Central e descobriu que o sistema de busca de dados está fora do ar, só deve voltar a funcionar no dia 14 de fevereiro e o possível ressarcimento pode ser feito pelo site do Bacen.

Prints de matérias enviadas para justificar contato. (Foto: Reprodução)
Prints de matérias enviadas para justificar contato. (Foto: Reprodução)

A servidora lamenta ter demorado para reconhecer que era golpe. Antes disso, até perguntou se a mãe também teria direito ao ressarcimento. “Ela disse que poderia ser que sim, que eram valores que vinham desde 2017”, disse.

A servidora disse que denunciou o caso à PF (Polícia Federal) e iria relatar o ocorrido à Polícia Civil, mesmo sem o golpe ter sido concretizado. “Tava dando corda para que eles mantivessem o telefone ativo”, disse.

Idoneidade – A servidora repassou o telefone usado pelos golpistas. A reportagem do Campo Grande News enviou mensagem, dizendo ser Karina, parente de *Sebastião e que queria ajudar a resolver a situação, pedindo que o atendente ligasse em um telefone fixo.

O áudio publicado na reportagem foi editado para retirar informações e os nomes das vítimas. A conversa acontece com duas pessoas do serviço: a atendente Giovana e a chefe dela, Talita.

O contato foi feito e a ligação repassada para Giovana, a mesma atendente que falou com *Sebastião. “Estou ligando a partir do Bacen [Banco Central]”.

Giovana disse que o ressarcimento se refere à restituição de impostos descontados no benefício do idoso. O reconhecimento facial era a certificação do banco de que "terceiros" não usariam o nome dele. “É dinheiro que foi descontando e se acumulando que eles vão estar recebendo”.

Na ligação, a atendente afirmou que *Sebastião tinha direito de R$ 2 mil a R$ 4 mil. “Mas tem margem de erro de 2%, pode ser maior ou menor”. O mesmo ressarcimento se aplicava a outra idosa, irmã dele. Questionada se esse pagamento tinha relação com os sistema do Banco Central que informa dinheiro retido em bancos, disse por várias vezes. “Sim, sim, tem”.

Tio da servidora recebeu ligação do "Banco Central do Brasil". (Foto: Divulgação)
Tio da servidora recebeu ligação do "Banco Central do Brasil". (Foto: Divulgação)

Nesse momento da ligação, a reportagem se identifica e questiona sobre o golpe. Giovana desconversa, nega que haja esquema e envia links de uma página previdenciária para atestar a veracidade do contato. O link, de maio de 2021, fala de restituição de 9º lote, mas que se trata de pagamentos por incapacidade e não se enquadraria nos casos por ela relatados.

Giovana repassa a ligação para a chefe, que se identifica como Talita. Também questionada sobre o golpe, ela se irrita com a reportagem: “A partir do momento em que você está colocando a minha índole em prova, você está sendo grosseira”.

Logo depois, pergunta se é a repórter é parente de *Sebastião e, com a negativa, diz que não tem por que continuar o contato, por não ser parente do idoso. Em tom irritado, desliga.

Golpes – O reconhecimento facial foi adotado pelo INSS para realização da prova de vida, em parceria com Ministério da Economia, medida usada para evitar a visita presencial de idosos nas agências. Este reconhecimento é feito somente por meio do aplicativo do governo federal, não por WhatsApp, SMS ou ligação.

No caso do Banco Central, o reconhecimento facial não é usado. O possível ressarcimento existe: o “Sistema Valores a Receber” foi criado pelo Bacen no dia 24 de janeiro e permite a qualquer pessoa saber se tem algum dinheiro retido num banco que nem usa mais.

Na página do sistema, o Banco Central alerta que não envia links, nem entra em contato com você para tratar sobre valores a receber ou para confirmar seus dados pessoais.

Desde que foi anunciado, houve corrida dos clientes de bancos para verificar se havia dinheiro em contas esquecidas, o que sobrecarregou o sistema. Na página do Bacen, consta que ele deve ser restabelecido no dia 14 de fevereiro. O caminho do ressarcimento vai poder ser feito no ambiente do Bacen, pelo “Registrato”, mas ainda está indisponível.

Consulta ao Registrato ainda está indisponível no Banco Central. (Foto: Reprodução)
Consulta ao Registrato ainda está indisponível no Banco Central. (Foto: Reprodução)


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