Juiz rejeita validar decreto da Capital sobre aplicativos de transporte
Decisão ocorreu após duas negativas para validar decreto sobre serviços e apresentação de nova proposta; lei federal trata do tema
Em uma ação que envolveu aplicativos de mobilidade urbana e seus condutores, Ministério Público Estadual, taxistas, mototaxistas, usuários de ônibus urbanos e até o Consórcio Guaicurus, o juiz David de Oliveira Gomes Filho, da 2ª Vara de Direitos Difusos de Campo Grande, proibiu a regulamentação, pela Prefeitura da Capital, dos serviços de transporte de passageiros por meio de apps. A sentença foi expedida nesta segunda-feira (11) depois que o município propôs, pela terceira vez, um acordo em torno de decreto discutido judicialmente desde meados de 2017.
A decisão do magistrado reconheceu que, ao longo da discussão de um decreto municipal sobre o tema –que, liminarmente, foi derrubado por ele duas vezes e chegou a ter uma terceira proposta de acordo com o Ministério Público para ir adiante–, uma lei federal foi aprovada em 2018 regulamentando os serviços de transporte intermediados por aplicativos (os OTTs, na sigla mais usual).
Para Gomes Filho, a legislação da União fez mais do que repassar aos municípios responsabilidade sobre o serviço, mas criou diretrizes sobre os mesmos –cabendo aos municípios competência de regular de forma complementar os serviços dos apps, o que, por seu turno, não poderia ocorrer por decreto, mas sim por lei municipal.
A discussão teve início depois que o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) questionou decreto da Prefeitura da Capital que criava regras para o funcionamento dos aps de transporte –na época em que o Uber começou a se popularizar na cidade, trazendo na esteira serviços como o 99táxi e o Urban, cujas empresas pleitearam figurar como partes interessadas na ação. À época, a prefeitura previa a limitação de licenças de operação e meios de tributar a atividade, entre outros pontos.
Interesse – Além de operadores de transporte por aplicativos, outros setores se mobilizaram para tentar se manifestar nos autos. O Consórcio Guaicurus, que opera as linhas de transporte coletivo da cidade, por exemplo, cobrou metas de equilíbrio ao sistema viário (como da frota e a fiscalização dos motoristas de apps), apontando ainda que não cabe ao município definir a questão via decreto, dizendo-se, por fim, contra a homologação do acordo entre prefeitura e MPMS.
Foi a mesma linha adotada pelo sindicato dos mototaxistas, ao sustentarem, em seu pedido, que “os aplicativos não podem tudo” e que a regulamentação deveria proibir a concorrência ruinosa entre transportadores por aplicativos (que para eles operam serviço de transporte coletivo).
Por outro lado, o Sindicato dos Taxistas sustentou que o decreto daria segurança aos usuários, “que hoje estão à mercê da própria sorte”, e que o serviço operado pelos apps hoje causa concorrência desleal, defendendo assim sua regulamentação.
A Ussiter (União Sul-Mato-Grossense dos Usuários do Sistema de Transporte Integrado de Transporte Urbano e Rodoviário) também pediu para ingressar na ação, cobrando um estudo técnico sobre que modelo a Prefeitura da Capital pretendia aplicar para o sistema de apps na cidade (citando em em Fortaleza, por exemplo, foram cobradas medidas compensatórias das operadoras e a taxação da atividade), também sendo contra a homologação do acordo. O pedido, porém, foi rejeitado.
Regra – Ao analisar a decisão, Gomes Filho lembrou que o MPMS questionara a regulamentação por enxergar restrições à atividade, sem justificativas plausíveis e fora da competência do município.
Em uma decisão na qual frisou que há vários serviços e temas de relevância criados com o avanço da tecnologia que hoje carecem de regulamentação –como a paternidade socioafetiva, uso de células-tronco, trabalho remoto, uso de moedas digitais ou a busca online de hotéis–, o magistrado advertiu não ter a intenção de criar ele mesmo regras para o serviço de transporte via apps. Segundo ele, a lei federal 13.640/2018, baixada durante a discussão do acordo entre MPMS e prefeitura, tratou do tema.
“Decreto não é lei. É um ato emanado do Poder Executivo que pode ser revisto a qualquer momento por uma única pessoa –o prefeito– independentemente da aprovação do Poder Legislativo ou de discussão com a sociedade”, destacou na sentença, lembrando que, a cada quatro anos, troca-se o comando dos Executivos. “Que segurança haveria no exercício de uma profissão se permitir que, por decreto municipal, limitações à atividade econômica fossem impostas a cada mudança de gestão municipal?”.
Segundo Gomes Filho, a legislação federal permitiu que os municípios regulamentarem os interesses locais –como tributação, segurança do serviço e fiscalização de pontos previstos na norma, o que também precisaria ser instituído por leis municipais.
Por outro lado, ele apontou que temas previstos na proposta da prefeitura só poderiam ser impostos por lei municipal e se não ultrapassarem limites da regra federal. Gomes Filho ainda frisou que a profissão de motorista de app é de livre exercício, desde que os condutores também obedeçam a legislação, e configura transporte remunerado individual de passageiros.
O magistrado considerou procedente o pedido do MPMS e decretou a nulidade das regulamentações feitas até aqui sobre o transporte de passageiros via apps. Cabe recurso.